Variedades

O baú de Pixinguinha

05/05/2019

A foto de Pixinguinha (1897-1973) repousando com seu saxofone numa cadeira de balanço, embaixo de uma mangueira, é uma das mais icônicas da história da música brasileira. E também marcou para sempre a carreira do autor do retrato, o fotógrafo Walter Firmo. No ano passado, o arquivo de Firmo, hoje com 81 anos, foi para o Instituto Moreira Salles (IMS) – incluindo, claro, a histórica imagem. Também no IMS, desde 2000, está concentrado o maior acervo de objetos pessoais e partituras de Pixinguinha. Assim, quando Luiz Fernando Vianna foi convidado pelo instituto para ser curador de uma exposição sobre Pixinguinha, ele tinha à disposição um rico material sobre o homenageado.

Em cartaz no IMS Rio até 3 de novembro, com entrada gratuita, a exposição Pixinguinha – Naquele Tempo, Hoje e Sempre compila partituras, gravações, fotos, discos, entre outros itens do célebre instrumentista, arranjador e compositor. Não há previsão de a mostra vir para São Paulo. “Esse acervo pessoal de Pixinguinha nunca tinha sido amplamente exposto, até porque foi feito um trabalho longo de organização, catalogação. Vários produtos têm saído desse trabalho, como quatro livros de partituras que foram lançados ao longo dos anos”, conta Vianna. “Como falar de Pixinguinha de maneira ampla seria impossível, fizemos esse recorte: além dos objetos pessoais, mostramos algumas coisas que o instituto fez nos últimos anos, como livros e vídeos. Tem dez retratos dele na exposição que são conhecidos de maneira dispersa, ninguém viu todos eles juntos. Por coincidência, ou não tanto, são todos dos anos 1960.

Digo não tanto porque é uma época em que Pixinguinha já está devidamente consagrado, e ele passa a ser muito fotografado, tema de reportagem, de homenagens.”

Entre os retratos na mostra, está o de Pixinguinha por Walter Firmo. Aliás, é a primeira vez, desde que o acervo do fotógrafo chegou ao local, que uma foto de sua autoria é exibida no instituto. “Está sendo realizado um trabalho de organização e catalogação que demora um tempo, mas, como essa foto é conhecida, o pessoal a localizou logo, e a gente pôde expor. É uma imagem que mostra uma pessoa já de bem com a vida. Embora, em outras partes da mostra, se fale das dificuldades que Pixinguinha teve na vida, de dinheiro. Mas, depois dos anos 1960, ele já está consagrado.”

O acervo em exposição, por si só, já é uma preciosidade. Mas, com indicações do próprio curador, é possível garimpar curiosidades. Entre elas, a última flauta tocada pelo músico. O instrumento já havia feito parte de uma mostra sobre Pixinguinha em Brasília, mas é a primeira vez que é exibido para o público após passar por restauração. Inclusive, o músico Antônio Rocha a tocou na abertura da exposição, em 23 de abril, Dia Nacional do Choro e data atribuída também ao nascimento de Pixinguinha (apesar de ainda haver controvérsias sobre ela).

Vianna conta que o instrumento está no acervo desde 2000, mas outros itens entraram antes na fila do processo de restauro. “Foi muito tempo tendo de higienizar, cuidar do material. A prioridade foi dada às partituras, porque era papel, poderia se perder. Então, oito anos foram dedicados a isso, por uma equipe de feras. Depois, chegou a hora de dar uma atenção maior à flauta e, por ocasião da exposição, o instituto encomendou o restauro dela ao músico Franklin Corrêa e essa flauta voltou a poder ser tocada”, diz o curador. A flauta foi usada pelo músico em 1939 e 40. A que ele tinha antes, dada pelo pai, foi furtada. “Pixinguinha comprou essa flauta que temos aqui provavelmente de segunda mão. Em 1940, ele largou a flauta profissionalmente e resolveu assumir o saxofone.”

Vale também observar com atenção as partituras originais, como a de Carinhoso. Esse clássico nasceu em versão instrumental e depois fez grande sucesso após ganhar letra de Braguinha. “Em 38, Pixinguinha fez um arranjo para orquestra e essa é a partitura que a gente mostra aqui.” Há ainda o passaporte que ele usou em sua primeira viagem internacional. “A importância dessas páginas é que mostram a viagem dele para a França com os Oito Batutas, em 1922. Eles tocaram por lá por 5 meses e meio. O mecenas disso foi Arnaldo Guinle, da família dona do Copacabana Palace. Quando tocavam no Brasil, os Oito Batutas já eram alvos de racismo. Quando foram enviados para lá, muita gente reclamou: ‘como é que vão enviar músicos negros para representar o País’, ‘é uma vergonha’, e a família Guinle bancou”, conta. “É uma viagem importante musicalmente.”

Por meio desse baú de Pixinguinha, Naquele Tempo, Hoje e Sempre recupera vida e obra do compositor. E joga luz, mais uma vez, sobre seu legado, como, por exemplo, sua contribuição na sonoridade do samba e ao consolidar o choro como gênero. “Pixinguinha foi um músico fundamental, um compositor fundamental e um arranjador fundamental”, define Vianna. “É difícil alguém reunir tantas coisas em si só.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Adriana Del Ré
Copyright © 2019 Estadão Conteúdo. Todos os direitos reservados.