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Moradores do Golan lidam com inesperado protagonismo em eleição

07/04/2019

Quando Donald Trump assinou um decreto reconhecendo a soberania israelense sobre as Colinas do Golan, em março, transformou o território em tema das eleições de Israel. Mas o afago ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que corre o risco de perder o cargo na votação desta terça-feira (9), mudou pouco o cotidiano de quem vive na última fronteira do país.

Durante três dias, o Estado conversou com empresários, agricultores e líderes comunitários que vivem numa nesga de terra de 1.800 quilômetros quadrados – cerca de um terço do Distrito Federal -, imprensados entre o Mar da Galileia e a zona desmilitarizada sob o comando da ONU, na fronteira com a Síria.

Em todos os relatos, a guerra civil no quintal do país vizinho é quase onipresente. O conflito deixou os moradores do Golan acostumados com o barulho de sirenes no meio da madrugada. Os abrigos antiaéreos estão sempre preparados. Até dois anos atrás, voavam pela fronteira o que eles chamam de “foguetes errantes”, disparos perdidos no fogo cruzado entre rebeldes sírios e tropas do presidente Bashar Assad.

Um deles destruiu a bodega de vinhos que fica ao lado da fábrica de chocolate artesanal de Gyora Chepelinski, de 54 anos. “Passou perto”, disse o argentino, que toca a produção ao lado da mulher, Karina, no kibutz Ein Zivan, a cerca de três quilômetros da fronteira.

De um ano para cá, porém, são os iranianos que descarregam a artilharia por cima das montanhas. Em maio do ano passado, uma chuva de 20 foguetes veio da Síria numa manhã de quinta-feira. Segundo o Exército israelense, os disparos foram obra da Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã.

A maioria foi abatida no ar. Os que atravessaram caíram em áreas vazias. A retaliação foi um bombardeio que matou oito soldados iranianos, segundo Israel. “No auge da guerra civil, era barulho de bomba todo dia. Agora, está mais silencioso”, contou Chepelinski.

A conclusão de quem ouve esses casos pela primeira vez é que a guerra na Síria é um tema central da eleição em Israel, pelo menos no Golan. Mas os moradores mostram um certo estoicismo e se comportam como pioneiros que ocupam a última fronteira do país, uma versão local dos bandeirantes brasileiros ou dos colonos americanos.

“Aqui todo mundo serviu ao Exército e sabe o que fazer quando as sirenes tocam”, disse Chepelinski. Para ele, como para a maioria dos habitantes, importa pouco o decreto assinado em março por Trump, reconhecendo a soberania de Israel sobre o território conquistado na Guerra dos Seis Dias, em 1967. “Estamos aqui há 50 anos. O reconhecimento não muda nada o fato de que o Golan nunca deixará de ser parte de Israel.”

O casal Chepelinski é de Buenos Aires. Karina representa a terceira geração de chocolateiros. Eles chegaram ao Golan em 2002, atropelados pelas crises argentinas e insatisfeitos com a asfixia da capital. Com eles, vieram os dois filhos, Uriel e Abi. Chepelinski conta que já conhecia o lugar e veio pelo ar bucólico das montanhas. “Isto aqui me lembra Bariloche”, disse.

Quem também caiu de amores pelo Golan foi o paulistano Natan Gelernter, de 58 anos – há mais de 30 em Israel. Ele se casou com uma israelense, Anat, e teve quatro filhos: Idan, de 24 anos, Aviv, de 19, Gilad, de 17, e o caçula Tomer, de 12. A família vive em Olart, um kibutz à moda antiga, desses que ficam com a maior parte do salário, mas fornecem praticamente tudo: educação, saúde, comida, transporte, moradia. “É quase comunismo”, diz Natan, que não se arrependeu da escolha. “Meus filhos tiveram um educação espetacular. Só dá pena de não poder deixar patrimônio”, conta – até a casa em que mora pertence ao kibutz.

Chepelinski e Gelernter têm esperanças de que o reconhecimento dos EUA e a eleição desta terça atraiam mais investimentos para um território constantemente esquecido pelo governo israelense. “Não somos uma abstração”, disse Chepelinski. “Vivemos aqui, trabalhamos, criamos empregos. Não se pode mais pensar em reverter a questão da soberania. Não resta mais dúvida sobre quem tem ou não direito de viver no Golan.”

Partidos pequenos

Em nenhum outro lugar do mundo a política externa tem um peso eleitoral tão grande quanto em Israel. “A segurança nacional está sempre em jogo”, afirma Emmanuel Navon, cientista político da Universidade de Tel-Aviv. Por isso, o premiê Binyamin Netanyahu lançou uma ofensiva do charme.

Nos últimos dois meses, ele recebeu o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, o chanceler italiano, Franco Frattini, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, o presidente filipino, Rodrigo Duterte, além de ter viajado para posar ao lado de Donald Trump e de Vladimir Putin. “Na política israelense, é importante passar a imagem de que o país não está isolado”, explica Navon.

Por isso, segundo ele, o esforço de Netanyahu parece ter sido recompensado. Seu partido, o Likud, cresceu nas últimas semanas e encostou no Azul e Branco, do general Benny Gantz, ex-comandante das Forças Armadas.

A eleição desta terça-feira está polarizada entre Netanyahu e Gantz. Curiosamente, os dois ocupam uma faixa parecida do espectro político. No entanto, o partido do atual premiê, o Likud, está um pouco mais à direita e consegue arrastar os grupos religiosos.

O Azul e Branco, legenda de Gantz, embora seja um partido de centro e conservador, conta com o apoio das forças de centro-esquerda, que se agarram a qualquer um que possa apear Netanyahu do cargo.

Segundo pesquisas, os dois teriam cerca de 50% dos votos – 25% para cada um -, o que renderia para cada lado aproximadamente 30 deputados no Parlamento de 120 cadeiras. O vencedor, portanto, depende da outra metade, fatiada entre vários partidos menores.

Até agora, segundo sondagem da Universidade de Tel-Aviv, a coalizão chamada de “direita religiosa”, ligada a Netanyahu, obteria 65 cadeiras. A de centro-esquerda, de Gantz, ficaria com 55 deputados.

Mais dois fatores poderiam virar a eleição para um lado ou para o outro. O primeiro é a cláusula de barreira. Para entrar no Parlamento, é preciso ter 3,25% dos votos. Netanyahu e Gantz precisam dos pequenos partidos para formar um governo. Mas quase todos os nanicos correm risco de não superar a marca, o que dificulta a previsão. Por isso, os dois favoritos dependem de um bom desempenho de seus blocos políticos como um todo.

Outro fator será a ação do presidente Reuven Rivlin. O cargo parece meramente decorativo no parlamentarismo israelense, mas uma de suas poucas funções relevantes é dirigir o processo de formação de governo. Em tese, após consultar todas as partes, ele determina quem terá a primeira chance de construir uma coalizão. Se a prerrogativa couber a Gantz, ele poderia atrair um ou dois partidos conservadores e se tornar primeiro-ministro.

Netanyahu e Rivlin se odeiam. Na semana passada, Bibi acusou o presidente de estar “procurando uma desculpa” para dar ao rival a primeira chance de negociação. “Se Gantz obtiver quatro ou cinco deputados a mais, mesmo sendo o nosso grupo conservador majoritário, ele (Rivlin) usará isso como desculpa para dar-lhe a prerrogativa”, afirmou. Rivlin rebateu. “Esta é mais uma tentativa detestável de minar a confiança do povo na decisão do presidente após as eleições.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Cristiano Dias
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