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Os dribles à fiscalização que custam vidas

03/02/2019

Em 2014, foi a mina de Itabirito (MG) que se rompeu e matou três pessoas. No ano seguinte, veio o caso de Mariana, deixando 19 vítimas. Agora, foi Brumadinho, que soma até agora 121 mortos e 226 desaparecidos. O que explica que o mesmo País tenha registrado três dos maiores desastres com barragens de minério da última década?

Ao jornal O Estado de São Paulo, especialistas apontaram que a legislação não é a maior culpada, mas, sim, o “jeitinho” e a “gambiarra”, que driblam a fiscalização, o monitoramento e até as punições. Outro ponto que coloca o Brasil em destaque é o número de vítimas, em parte pela frequente existência de comunidades e estruturas de trabalho ao lado das barragens.

O rompimento da barragem de Mount Polley no Canadá, por exemplo, chamou a atenção da comunidade mundial pelo volume de 24 milhões de m³ de rejeitos tóxicos liberados na natureza. Fora de uma área de concentração humana, deixou impactos menos evidentes, mas também danosos, especialmente na natureza, o que também afetou comunidades indígenas da região. O resultado de tudo isso? A empresa voltou a operar no local em menos de um ano, em 2015, e moveu uma ação contra seus engenheiros.

Por outro lado, um exemplo positivo vem do Chile. Por ter uma grande atividade sísmica, o país é mais propenso a acidentes e incidentes e, por isso, proíbe o modelo de barragem de Mariana e Brumadinho desde os anos 1970. Além disso, exige o envio de dados de monitoramento de empresas, como a Antofagasta PLC, que disse à Bloomberg ter 76 instrumentos instalados para recolher dados 24 horas por dia.

“Não tem fatalidade. Acidentes podem ser previstos”, ressalta Sérgio Medici Eston, professor de Engenharia de Minas da Universidade de São Paulo (USP). O professor aponta que o País precisa de uma “cultura de gerenciamento de risco”, o que inclui desde a adoção de tecnologias e materiais seguros até programas de capacitação e sensibilização nas companhias.

Medici defende também mudanças na fiscalização que, hoje, é feita por ao menos 31 diferentes órgãos, segundo levantamento de 2017 da Agência Nacional de Águas (ANA). Para ele, é necessário criar um órgão regulador específico para barragens de mineração, que centralize a fiscalização e que tenha mais agentes. “Quando pulveriza, ninguém acha o culpado.”

Já Alex Cardoso Bastos, um dos colaboradores do relatório “Mine tailings storage: safety is no accident”, de 2017, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), comenta que hoje o minério é um tema que perpassa tanto a Agência Nacional de Mineração, que faz a licença da lavra, quanto o Meio Ambiente, por causa do licenciamento.

“É preciso olhar, também, para o minerador menor, os pequenos vazamentos que não são nem reportados”, diz o também professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “A nossa legislação é tão ou mais rigorosa do que a dos demais países, precisa mexer em pouca coisa. Falta mais é fiscalização. Passaram três anos do caso de Fundão e ninguém foi punido”, completa Eduardo Marques, professor de Engenharia na Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Panorama

Em todo mundo, de 1908 a 2017, foram identificadas ao menos 119 falhas consideradas graves e muito graves em barragens. O número vem crescendo. De 1998 a 2007, foram 19 casos, enquanto ocorreram 27 no período posterior, segundo a organização americana World Mine Tailings Failures.

“(O Brasil) não tem o suficiente em sua lei para evitar perdas nem capacidade técnica para supervisionar adequadamente as operações com vistas à prevenção de perdas”, disse ao Estado Lindsay Bowker, diretora executiva da organização. Entre as falhas na nossa legislação, diz ela, está a possibilidade de os donos transferirem a propriedade de uma mina danificada, sem resolver os problemas criados.

Em sete anos, o Brasil teve ao menos 24 acidentes e 52 ocorrências de menor porte – incidentes -, conforme relatório da ANA. Os casos deixaram ao menos 31 mortos, além de impactos ambientais e sociais. O acidente é quando se compromete a integridade estrutural, com liberação incontrolável do conteúdo da barragem. Já o incidente é qualquer ocorrência na estrutura que afete o comportamento da barragem, como pequenos rompimentos, que podem levar a acidentes.

O documento ressalta que podem ter havido mais incidentes e acidentes não reportados à ANA e a fiscalizadores. Há 24.093 barragens cadastradas no País – 42% não têm “ato de autorização, outorga e licenciamento” e, em 76%, não está definido se a barragem é submetida à Política Nacional de Segurança de Barragens (que prevê regras de segurança) “por falta de informação”. Do total, 790 são de rejeitos de minério.

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A TRAGÉDIA
1.

Quais os impactos do rompimento da barragem?

A barragem tinha cerca de 13 milhões de m³ de rejeitos, despejados sobre a região do Córrego do Feijão, em Brumadinho, atingindo a área administrativa da Vale e a comunidade ao redor. Imagens de câmeras de segurança mostraram o avanço da lama, que teria chegado a uma velocidade de quase 80 km/h.

2.

Já se sabe quais são as causas do desastre?

A perícia só poderá ir ao local do acidente após o término das buscas pelos bombeiros. Uma das hipóteses é que tenha ocorrido liquefação, fenômeno caracterizado pela redução da rigidez do solo, o mesmo que ocorreu em Mariana, em 2015.

3.

Outras regiões foram afetadas?

A onda de rejeitos chegou ao Paraopeba, deixando o rio turvo, e começou a se mover em direção ao São Francisco. O governo de Minas desaconselhou o uso da água.

4.

Já foram aplicadas punições à Vale?

A Vale teve R$ 12,6 bilhões bloqueados pela Justiça e recebeu multa de R$ 250 milhões do Ibama.

5.

Alguém foi preso?

Dois engenheiros da empresa alemã TÜV SUD, que atestou a estabilidade da barragem, e três funcionários da Vale, que estariam envolvidos diretamente no licenciamento, foram detidos.

6.

Como é feita a fiscalização dessas barragens?

Inspeções de segurança são feitas pela mineradora ou por empresas contratadas por ela, como foi o caso da TÜV SÜD em Brumadinho.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Priscila Mengue
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