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Lucro com crime organizado explica apoio da cúpula militar a Maduro

27/01/2019

Hiperinflação, recessão econômica, escassez de remédio, fome, falta de liberdade política, epidemias e imigração em massa. Motivos para enterrar o chavismo não faltam, mas por que o presidente Nicolás Maduro não cai? Segundo analistas consultados pelo jornal O Estado de S. Paulo, a proteção das Forças Armadas é uma resposta parcial. Por trás do apoio dos generais está o lucro do crime organizado, em parte controlado pelos próprios militares.

Diosdado Cabello, que dirige a Assembleia Constituinte, é o homem- forte do chavismo. O ex-vice-presidente Tareck El Aissami é hoje ministro da Indústria. Néstor Reverol comanda o Ministério da Justiça. A primeira-dama Cilia Flores é também procuradora-geral. Todos estão sob sanções dos EUA e exibem uma ficha corrida quilométrica, que inclui tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Segundo relatório do grupo Insight Crime, que monitora o crime organizado na América Latina, há provas contundentes do envolvimento de 123 funcionários do governo venezuelano em diferentes atividades criminosas. Ao Estado, Luis Cedeño, diretor da ONG Paz Ativa, disse que pelo menos 40 militares de alta patente estão metidos com o narcotráfico.

Na linha de frente estão nomes como o do general Hugo Carvajal, detido por ligação com o narcotráfico em Aruba, em 2014, e devolvido a Caracas uma semana depois, do capitão Henry Rangel Silva, ex-chefe do comando estratégico das Forças Armadas, acusado pelo governo americano de trocar armas por cocaína com as Farc, e do general Néstor Reverol, ex-comandante da Guarda Nacional Bolivariana, indiciado nos EUA por receber propina para caguetar a posição de agentes americanos no Caribe.

O crime organizado floresce no ambiente caótico criado pelo chavismo. Com suas instituições em pandarecos, a Venezuela é o cenário perfeito para um longo catálogo de delitos. O principal deles, o tráfico de cocaína, é disputado por vários grupos que movem a droga pelo território venezuelano em direção aos EUA e à Europa.

Como qualquer mercadoria, a cocaína tem um custo que envolve matéria-prima, mão de obra e materiais de produção. Para a Venezuela, é a tempestade perfeita. A vizinha Colômbia é a maior produtora mundial de folha de coca. Em 2017, o país tinha cerca de 200 mil hectares cultivados, o bastante para produzir mais de 900 toneladas de cocaína por ano, segundo estimativas do Escritório de Controle de Drogas dos EUA.

Para tratar a pasta de coca é preciso um solvente orgânico e a Venezuela tem a gasolina mais barata do mundo. Na Colômbia, o litro custa cerca de 2.400 pesos (R$ 2,87), mas os traficantes colombianos pagam 30 pesos (R$ 0,04) pelo litro contrabandeado do país vizinho.

Por fim, a mão de obra é fornecida pelo estado catastrófico da economia venezuelana. Desde 2015, dos mais de 3 milhões de pessoas que fugiram da Venezuela, pelo menos 1 milhão se instalou na Colômbia, formando um exército de famintos dispostos a trabalhar por qualquer trocado e produzir na fronteira a cocaína mais barata do mundo. “Os militares venezuelanos são fundamentais no esquema, porque são eles que movem a droga”, diz Cedeño.

Nos anos 2000, quando os colombianos começaram a explorar a rota venezuelana, os militares recebiam propinas para ignorar os carregamentos. Com o tempo, de acordo com vários consultores e relatórios de agências especializadas, os narcotraficantes da Colômbia começaram a pagar subornos em cocaína, obrigando os militares venezuelanos a entrar no mercado para vender o produto.

Obviamente, não existe nenhum processo na Venezuela que envolva funcionários do governo com o tráfico de drogas. No entanto, chavistas de todas as castas surgem em investigações, testemunhos, delações e apreensões de drogas fora do país.

Aissami foi um dos primeiros a ser sancionado pelos EUA. Ele era vice-presidente quando foi acusado pelo narcotraficante Walid Makled de estar envolvido com o narcotráfico. Conhecido como “El Turco”, Makled era um dos criminosos mais procurados do mundo quando foi preso na Colômbia, em 2011. “Todos os meus sócios são generais venezuelanos”, afirmou “El Turco”, que confessou ter financiado campanhas do PSUV, partido de Maduro, e de ter vários chavistas na sua folha de pagamento.

Em 2014, Leamsy Salazar, ex-segurança de Diosdado Cabello, fugiu para Washington e entregou o chefe para os americanos. Em setembro, em reunião do Conselho de Segurança da ONU, Nikki Haley, então embaixadora dos EUA, se tornou a funcionária de mais alto escalão do governo americano a dizer que Cabello, um subtenente da reserva, é “um ladrão e um narcotraficante que utiliza seu poder para encher os próprios bolsos”.

Em 2015, outra peça se encaixou no quebra-cabeças: o escândalo dos “narcossobrinhos”. Efraín Flores e Francisco Flores de Freitas, sobrinhos de Cilia Flores, mulher de Maduro, foram presos no Haiti e levados para Nova York, onde foram julgados e condenados a 18 anos de prisão por tentar levar 800 quilos de cocaína para os EUA.

Em 2016, foi a vez do general Reverol. Ele ocupava o posto de czar antidrogas de Maduro quando foi acusado de receber dinheiro para alertar aos narcotraficantes sobre a movimentação de agentes americanos. No dia seguinte, o general foi promovido a ministro da Justiça.

“Em vez de afastar, Maduro promove os acusados de narcotráfico a cargos importantes dentro do Estado”, afirma a venezuelana Vanessa Neumann, diretora de uma empresa de consultoria de risco político com sede em Washington. “Se o chavismo cair, quem mais perderia é a cúpula do crime organizado, onde se escondem muitos militares que estão dispostos a qualquer coisa para preservar o regime.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Cristiano Dias
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