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Walquíria

30/12/2018
Walquíria

Certa noite Messias sentiu-se mal, suava frio, chamou o filho. Foi levado desfalecido à emergência do Hospital. A sorte foi ter encontrado o atendimento Dr. Wanderley que diagnosticou um enfarto e providenciaram operação de urgência.

As mãos do Dr. Wanderley fizeram milagre mais uma vez. O caso de Messias foi grave. Ficou em coma pós-operatório durante uma semana. Teve sonhos constantes, repetidos, que ficaram gravados no inconsciente: um enorme pássaro branco revoando em círculo por sobre sua cabeça. Em certo momento transformava-se em uma mulher alada, seminua, com véus soltos envolvendo um corpo apetitoso, sensual. Voava e encostava-se ao doente provocando agradável excitação. Logo Messias teve alta com rigorosa dieta alimentar e orientação: menos trabalho e evitar preocupação. No que Messias respeitou. Mês passado pediu licença ao médico para dirigir até seu sítio perto de Piaçabuçu.

Ao passar pela ponte por cima das águas verdes e cristalinas da Lagoa Mundaú, percebeu que uma morena, vestida com short jeans esfarrapado, mochila no ombro, pedia carona.

Messias freou o carro, a moça achegou-se e perguntou para onde ia o nosso herói.

– “À Piaçabucu, e você? Por acaso é assaltante?”.

A morena abriu a porta do carro, sentou-se a seu lado, sorriu para Messias.

– “E o senhor, por acaso é estuprador?” “Estou viajando, de carona, à Penedo.”

Messias gostou da bem humorada companhia, divertia-se com as conversas da morena, Walquíria o nome dela.

De repente, na estrada, ouviu o cantar de freio. Messias assustou-se com um caminhão desgovernado em sentido contrário, atravessou em sua frente raspando seu carro e caiu em uma barreira abaixo do acostamento. Messias, branco como uma folha de papel, nervoso, conseguiu parar o carro. Respirou fundo, susto imenso, quase que o caminhão arrebenta seu carro, ele e a moça. Foi socorrer o motorista do caminhão. Não precisou, ele saiu sozinho da cabine, ileso, com um forte cheiro de cachaça. O cara estava bêbado. A Polícia passava na hora fez o atendimento.

Prosseguiram a viajem, de repente a caroneira falou baixinho: “Viu? Se você não tivesse parado para me dar carona tinha batido de frente ao caminhão. Salvei sua vida.”  Essa observação deu um frio na barriga de Messias.

Walquíria era divertida e pela esplendida estrada litorânea foram cantando e contando histórias. Ao passar na praia do Miaí, Messias tirou o carro do asfalto, entrou na extensa praia de areia dura que serviu de estrada até a foz do Rio São Francisco.

-“É a estrada mais bonita do mundo”. Dizia. De num lado um exuberante verde coqueiral e do outro o mar azul-esverdeado. Fez da praia a estrada. Parou para tirar fotos em um casco antigo de um navio afundado à beira-mar. Pediram a um jangadeiro para fotografá-los imitando os personagens do filme Titanic. Messias em pé no que restava da proa e Walquíria encostada, ambos de braços abertos. Ele ficou excitado e veio-lhe a imagem do sonho em coma: a mulher alada se esfregando.

Almoçaram em Piaçabuçu no restaurante do Santiago à beira do Rio São Francisco. Ele entrou rápido no sítio e resolveu levar a morena a Penedo.

A tarde fresca era de um azul estonteante, convidativa para o ócio. Subiram ao Restaurante Rocheira. Comeram jacaré, tomaram uísque, cerveja e uma boa cachacinha apreciando Velho Chico refletindo o Sol no belo e velho Penedo.

Conversaram e se beijaram. Era quase meia noite quando retornaram ao hotel cantando pelas estreitas e bucólicas ruas da cidade. Ao chegar ao Hotel São Francisco hospedaram-se num belo e enorme apartamento. Tomaram banho abraçados, beijaram-se, fizeram amor. Nos mais intensos momentos de prazer, as imagens do sonho em coma apareciam na mente de Messias. A mulher alada junto a seu corpo. Messias sentiu a morte e a vida. Dormiu feliz e sonhou com o pássaro branco sobrevoando.

No dia seguinte, ao acordar, Walquíria não estava na cama. Na portaria lhe informaram que ela seguiu sem informar o destino. Deixou um bilhete: “Messias querido, cuide-se, ame muito, ame a vida, é o maior bem que um ser humano possui. Sou um anjo, cuido da vida e da morte. Hoje salvei sua vida, mas não posso lhe proteger a toda hora. Beijos de sua Walquíria”.

Messias sorriu com o bem humorado bilhete da amiga casual, morena, meiga, sensual, de fato, um anjo. Ficou a refletir: ter freado para dar carona à Walquíria evitou seu carro entrar embaixo do caminhão desgovernado. Poderiam ter morrido, ele e ela. Pensou na noite de intenso amor com a amiga. Ele se sentia feliz. Estava alegre. Será que algum dia encontraria Walquíria?

Depois de ligar para casa, Messias puxou do celular a fotografia do navio na praia do Miaí. Na foto ele sorria de braços abertos, sozinho. Ao perceber que Walquíria, seu anjo, não aparecia na fotografia, Messias emocionou-se, ficou arrepiado da cabeça aos pés, e chorou. Não sabia se de tristeza ou de alegria.