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Ouvidoria da câmara relata ‘violações de direitos humanos’ em albergues de SP

09/11/2018

Relatório publicado pela Ouvidoria da Câmara Municipal de São Paulo aponta “indícios de que há flagrantes violações de direitos humanos” nos albergues da Prefeitura de São Paulo voltados para o atendimento de moradores de rua. O documento cita “agressões físicas e verbais”, “presença de insetos” e “uso de entorpecentes” dentro dessas instalações, entre outros pontos.

Diante das informações, a Prefeitura, por meio de nota, diz que “todas as unidades serão orientadas quanto aos corretos procedimentos a serem adotados, pautados pelo respeito à dignidade daqueles que procuram os serviços de acolhimento”. Entretanto, a gestão Bruno Covas (PSDB) informa que “o relatório citado pela reportagem não detalha circunstâncias, datas e locais das queixas retratadas, informações fundamentais para que o trabalho seja aperfeiçoado”.

O documento sintetiza oito itens que reúnem as denúncias feitas ao órgão, que é mantido pela Câmara Municipal e existe por força de uma lei municipal de 2011. O Estado requereu acesso às queixas que embasaram o documento e recebeu o texto de 18 protocolos de reclamação, todas feitas neste ano. Os relatos citam nove instituições de abrigamento para moradores de rua, entre eles os Centro Temporários de Acolhimento (CTAs), novos serviços oferecidos pela Prefeitura a partir de 2017, Brigadeiro Galvão, na Barra Funda, e Bela Vista, no centro.

“Pontua-se que há diversos registros sobre graves problemas para a acolhida de pessoas em situação de rua, notadamente dificuldades que muitos cidadãos encontram ao procurarem atendimento tanto nesta Ouvidoria quanto ao se dirigirem espontaneamente aos Centros de Acolhida para solicitação de vaga fixa ou pernoite”, diz relatório.

Há percepção, na cidade, do aumento da população de rua. No primeiro semestre de 2017, o serviço 156, canal de reclamações da Prefeitura, teve 37,5 mil chamados para atender pessoas em situação de rua. Já no primeiro semestre deste ano, foram 40,9 mil chamados. A verba gasta pela Prefeitura para atendimento desse público caiu. Entre janeiro e outubro, o gasto foi de R$ 965,3 milhões. No mesmo período do ano passado, foram R$ 976,9 milhões (ou R$ 1,025 bilhões, com o valor corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

Entre o material recebido pela reportagem, há dois casos em que os autores das queixas relataram tratamento homofóbico por parte dos funcionários dos centros, entre outras reclamações sobre o tratamento dispensado pelos agentes. Há quatro queixas que fazem críticas às estruturas dos espaços, como falta de água nos banheiros, sanitários quebrados, falta de lençóis ou falta de armários para a guarda dos pertences dos moradores de rua, “objeto de primeira necessidade para um convivente fixo 24 horas”, diz o texto. Há também informes de “ratos e animais com feridas expostas” dentro dos estabelecimentos.

O documento da Ouvidoria afirma ter colhido ainda queixas de munícipes que procuram os serviços da Prefeitura na região central de São Paulo “muitas vezes permanecem por horas aguardando atendimento” e, após a espera, “são encaminhados para equipamentos de acolhida distantes, dificultando o retorno para as áreas centrais da Cidade, onde eventualmente conseguem realizar bicos e se alimentar”. O transporte é feito apenas para o equipamento da periferia, o que faz o morador de rua ter dificuldade para retornar à região central.

“Ressaltamos que todas as demandas são encaminhadas para os órgãos municipais competentes, tão logo registradas e analisadas. Contudo, temos que salientar que por diversas vezes não recebemos retorno das demandas registradas na Ouvidoria”, diz ainda o relatório.

O padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua da Igreja Católica, diz que essa é uma prática antiga. “Se demora muito tempo para conseguir uma vaga, e quando essa vaga chega é em um lugar que a pessoa não pode ir. Ou porque não tem condições de voltar, ou porque é em um lugar em que não é aceito pelos demais, porque a população de rua é muito heterogênea”, diz o padre. “Sem contar que muitas vagas são vagas de pernoite. No dia seguinte, ele (o morador) tem que batalhar tudo de novo. E, caso negue uma vaga, ele tem de assinar um termo de recusa”, completa.

Dados

Ao comentar o relatório, a Secretaria Municipal de Assistência Social afirmou que “o número de reclamações reportado não tem grande representatividade diante dos 3.538.276 atendimentos à população em situação de rua realizados em centros de acolhida do início do ano até o último dia 14 de outubro”.

A secretaria diz ainda que “preza pela excelência na prestação de serviço, especialmente para as pessoas em situação de vulnerabilidade” e que “mantém um grupo de servidores que atuam como Gestores das Parcerias, realizando visitas técnicas e avaliando a qualidade do serviço executado”.

Autor: Bruno Ribeiro
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