Geral

A notoriedade como estilo da autopromoção

06/11/2018

Quando recebeu a notícia de que havia vencido o Prêmio Nobel de Literatura de 2007, a escritora inglesa Doris Lessing (1919-2013) estava voltando das compras no supermercado, em Londres. Foi recebida na escadaria de seu prédio por vários jornalistas que a entrevistaram ali mesmo. A velha senhora, de 87 anos, não se entusiasmou muito com o Nobel. Semanas depois, confessaria que preferia não ter sido laureada, pois o prêmio lhe deu uma notoriedade indesejada, uma vez que não dispunha mais de tempo, principalmente para voltar a escrever.

O episódio envolvendo a escritora Doris Lessing ilustra o fenômeno estudado pelo historiador francês Antoine Lilti no livro “A Invenção da Celebridade” (1750-1850), lançado recentemente no Brasil pela Civilização Brasileira. Em sua tese, Lilti diz que o culto e a difusão das celebridades vêm do século 18, à época do Iluminismo na Europa.

“Mas a especificidade das sociedades modernas relaciona-se ao aparecimento de uma terceira forma de notoriedade: a ‘celebridade’. À primeira vista, ela se traduz em uma reputação muito ampla”, diz ele, em um dos trechos do livro.

Este fenômeno, segundo o historiador, remete a propagação das revistas, dos folhetins dos jornais, dos ateliês de modas e de gravuras e da pintura. Essa comunicação à distância ajudou a criar a figura e o culto às celebridades, como a monarca decapitada pela Revolução Francesa, Maria Antonieta (1755-1793), o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o imperador e militar francês Napoleão Bonaparte (1769-1821) e o presidente e fundador da democracia americana George Washington (1732-1799), entre outros.

A frase “Prefiro que falem mal, mas falem de mim”, dita por Rousseau, ilustra a relação que as figuras públicas tinham com a fama. Algumas delas, como Maria Antonieta, não sabiam lidar com o culto que o povo francês nutria por ela, assim como a escritora Doris Lessing depois de premiada pelo Nobel.

Na era das redes sociais, esse fenômeno das celebridades cresceu de forma exponencial e sem relação com uma atividade reconhecidamente pública. Nos 15 minutos da fama propagado pelo multiartista americano Andy Warhol (1928-1987), qualquer um pode virar celebridade da noite para o dia. E também a começar a influenciar uma legião de fãs, como um Digital Influencer (influenciador digital) e os Youtubers, ganhando muito dinheiro e notoriedade para além dos 15 minutos que Warhol profetizou.

Autor: Amilton Pinheiro, especial para a AE
Copyright © 2018 Estadão Conteúdo. Todos os direitos reservados.