Variedades

‘Impuros’ reflete sobre relações humanas da favela

28/10/2018

Uma das principais estratégias usadas por traficantes é misturar amido de milho à cocaína, gerando um maior retorno financeiro. É a chamada droga impura, ou misturada. Ainda que este seja um dos elementos abordados na nova série da Fox, Impuros, não é pela mistura da cocaína com amido de milho que a produção foi batizada. Seu nome vem das impurezas das próprias relações humanas, sem maniqueísmos, que nunca conseguem ser completamente puras. Não há só bandidos, não há só mocinhos. Tudo, segundo os criadores, pode estar contaminado.

“Não existe apenas o bem ou o mal. Somos todos seres humanos, com suas fraquezas e seus problemas. A história é cíclica e esses opostos acabam sempre se encontrando”, diz o escritor e criador do argumento central da série, Alexandre Fraga. “É isso que nós queremos contar com Impuros. Pensamos em toda essa complexidade das pessoas, como isso vai além e como é preciso prestar atenção nessa ausência de mocinhos e bandidos. Às vezes, no final, a coisa mais pura de toda história pode ser a própria droga”, brinca o autor.

A história elaborada por Fraga e dirigida por René Sampaio e Tomás Portella se passa ao redor da vida em uma favela carioca nos anos 1990. O tráfico ali reina. As armas circulam, a cocaína é misturada. E no centro da trama está Evandro do Dendê (Raphael Logam), um jovem que leva uma vida comum até o assassinato de seu irmão por um policial. Sem chão e com uma dívida para honrar, ele decide entrar pro tráfico do morro e buscar vingança pela morte do irmão.

A partir daí, inicia-se uma briga de classes retratada outras vezes no cinema e na TV, tendo o ápice em Cidade de Deus, passando pelo sucesso de Tropa de Elite e chegando até a “americanização” em Trash. A diferença aqui, porém, está justamente no foco nas relações humanas, desenvolvidas ao longo dos 10 episódios. Evandro, por exemplo, logo engata um romance complicado com a MC Geisi (Lorena Comparato), que foge completamente dos estereótipos da “mulher da comunidade”. O rapaz também precisa lidar com o alcoolismo da mãe após a morte do irmão. Isso sem falar de um policial que possui conexões com o protagonista.

“O principal ponto da série não é a luta entre bandidos e policiais. É o drama humano por trás de cada personagem”, afirma o diretor René Sampaio, que dirigiu recentemente o filme Faroeste Caboclo. “É a série de ação para chorar”, complementa a atriz Lorena Comparato.

Poupança. Vale ressaltar que a série não é retratada nos anos 1990 apenas por nostalgia barata. Um dos personagens, responsável por toda contabilidade do tráfico no morro, acaba tendo o dinheiro da venda de cocaína retido no banco depois do Plano Collor, que confiscou dinheiro em poupanças em todo o Brasil após medida do então presidente Fernando Collor de Melo. Essa subtrama, que gera uma das histórias mais divertidas e inusitadas de Impuros, foi o ponto de partida de Alexandre Fraga durante a elaboração inicial de toda a história.

“Queria fazer um filme ou uma série sobre guerra às drogas. Logo depois, comecei a pensar no que as pessoas passaram durante o confisco da poupança, o que pode ter acarretado em suas vidas”, conta o escritor. “E aí me veio essa ideia inicial: imagina alguém que põe o dinheiro de traficantes no banco, sem avisar, e perde tudo? O que essa pessoa ia fazer? É uma situação complexa que eu queria contar e construir algo ainda maior ao redor disso.”

O diretor René Sampaio também ressalta como é importante, para o Brasil, olhar para o seu passado. “Ainda que a série esteja totalmente submersa nos anos 1990, a produção dialoga com os dias atuais”, compara. “É preciso fazer essa conexão com a História. Em Impuros, fazemos isso com o morro, com o tráfico, com a pessoa da periferia. E funciona muito bem.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Matheus Mans, especial para o Estado
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