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Na Grécia, pobreza e mortalidade aumentam

09/09/2018

Marianna entrou num hospital público de Atenas há poucos meses para acompanhar sua tia em uma cirurgia de quadril. Ao chegar, foi logo informada que teria de trazer de casa a roupa de cama, travesseiro e até remédios. Se não bastasse, ela teve de pagar € 20 por semana para alugar uma cadeira do próprio hospital para poder ficar ao lado da tia, num quarto pequeno amontoado com outras seis mulheres. “Assim que a operação acabou, o hospital nos pediu para deixar o local, já que precisavam da cama”, conta a grega de 39 anos.

Em 2015, a reportagem do Estado encontrou Marianna (ela prefere não ver publicado seu sobrenome) percorrendo caixas eletrônicos de Atenas em busca de dinheiro. A liquidez estava por um fio no país. Naquele dia, ela tentou em 15 máquinas e só conseguiu sacar € 70.

Três anos depois, ela diz considerar uma “ofensa” o tom adotado pelo governo para anunciar, no dia 19 de agosto, o encerramento oficial dos planos de resgate da União Europeia e do FMI para a Grécia. Na prática, isso colocou um ponto final à dependência de mais de € 320 bilhões. O dinheiro foi usado para salvar a Grécia da falência, depois que a crise internacional que começou em 2008 se espalhou pelo mundo e secou o mercado financeiro.

Para o governo local, o fim do resgate significa a abertura de um caminho para uma nova era de independência financeira. As autoridades também apontam que a economia dá sinais de crescimento e a crise da dívida, que por pouco não enterrou o euro, foi declarada como superada. “Falar do fim da crise é uma grande piada”, diz Marianna.

A experiência vivida pela moradora de Atenas e sua tia reflete a redução dos investimentos públicos em saúde no país. Um estudo publicado na revista médica The Lancet mostra que, entre 2009 e 2014, os gastos caíram de US$ 2,2 mil por pessoa por ano para apenas US$ 1,5 mil. Ao mesmo tempo, a mortalidade aumentou. No início do século, eram 944 mortes para cada cem mil pessoas. Em 2016, 1174. Nesse período, a taxa global recuou de 842 para 739. Recém nascidos passaram a morrer de doenças que poderiam ser tratadas. “A austeridade matou muita gente na Grécia”, diz o médico Giorgos Vichas, que criou uma clínica comunitária em Helliniko.

Para membros do governo, nem tudo é desastroso e avanços também foram registrados. O país passou de um déficit fiscal de 15% do PIB para um superávit de 0,8% do PIB. Uma agência independente de coleta de impostos foi criada, o Estado ficou mais enxuto, o sistema de pensão passou por reformas e uma mudança nas leis trabalhistas ajudou empresas a serem mais competitivas para poder exportar.

Em 2017, a economia cresceu em 1,4% e deve voltar a ter índices positivos em 2018. Mas o grande desafio agora é pagar os credores e suas condições ainda são impostas. Para terminar de pagar sua dívida, a Grécia precisa manter um superávit em suas contas até 2022 de 3,5%. A partir de então e até o ano de 2060, o superávit terá de ser em média de 2,2%.

O problema, porém, é a dimensão do custo social. No total, a Grécia viu seu PIB encolher em 27%. Em junho, temendo perder 10 mil postos de trabalho, os catadores de lixo de Atenas entraram em greve. O resultado foi um acúmulo de toneladas de lixo pelas ruas da capital, que vivia uma onda de calor. Em maio, uma greve geral de 24 horas, paralisou escolas, transporte público e hospitais.

O ambicioso plano de privatização jamais deu os resultados esperados. Em 2011, previa-se que, ao vender 71 mil ativos do estado, o país poderia arrecadar ¤ 50 bilhões. Metade iria para pagar a dívida. Sete anos depois, o plano apenas arrecadou ¤ 6 bilhões. Para 2019, o governo promete vender mais ¤ 3 bilhões, com a privatização do aeroporto de Atenas, de uma empresa de gás e de uma refinaria.

O fim do resgate é apenas parte de uma história que acumulou aumento de impostos, cortes de gastos e uma depressão econômica. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o resultado foi a explosão no número de pobres, que hoje representam 30% dos 10 milhões de gregos.

“A crise não acabou”, disse ao Estado o ex-ministro de Finanças da Grécia, Gikas Hardouvelis. “Para muita gente, não fez qualquer diferença o fim do memorando (do resgate). A vida de todos foi afetada, seja pela renda, habilidade de sobreviver, ter emprego. A crise está presente e os desafios para o futuro são enormes”, alertou.

500 mil gregos deixam país

Em oito anos, a crise empurrou 500 mil gregos para fora do país, ajudando a reduzir a taxa de desemprego entre jovens, que chegou a 58%. Hoje, ela é de 40%. A informalidade atinge ainda 20,8% do PIB grego, segundo levantamento da Universidade de Tübingen, na Alemanha.

“O sentimento no país é de que não há futuro. O pessimismo chegou para ficar”, disse o ex-ministro de Finanças da Grécia (2014-2015), Gikas Hardouvelis.

Na sua avaliação, o governo de Alexis Tsipras não usou os três anos desde o último pacote para gerar uma economia competitiva, mesmo com o dinheiro barato que recebeu da União Europeia. Para o economista americano, James Galbraith, a austeridade “não funcionou”. Ele serviu como assistente informal para o Ministério de Finanças da Grécia em 2015 e, um ano depois, publicou o livro “Bem-vindo ao cálice envenenado: A Destruição da Grécia e o Futuro da Europa”.

“Não vamos nos enganar. A austeridade não foi desenhada para funcionar”, diz. “Wolfgang Schäuble (ex-ministro de Finanças da Alemanha) deixou claro em reuniões com os gregos que, se fosse ele, não teria assinado o plano de resgate.” Em sua avaliação, o que ocorreu na Grécia foi “um ato de crueldade para fins políticos”, para os alemães mostrarem o que poderiam fazer com outros países, como a Itália. “Ter um compromisso de superávit até 2060 é basicamente dizer que essa é a condição que será vigente para sempre e, para os jovens, trata-se de um convite para continuar emigrando.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Jamil Chade
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