Variedades

Longe da estante

09/09/2018

Na turnê de Lou Reed pelo Brasil, em 2010, inspirada no disco de ruídos Metal Machine Music (originalmente de 1975), o público reagia com estranheza. Não eram poucos os que deixavam o teatro após meia hora de show. Padrinho do punk, artista de múltiplos talentos e musicalidade, Reed encerrava cada performance da turnê com cadeiras à vista. Priscilla Leone, a Pitty, não arredou o pé quando assistiu ao músico ao vivo. “Era essa a turnê que ele fazia naquela época”, justifica a artista. “Tudo é permitido de acordo com o relacionamento criado com o seu público, o posicionamento estético e de construção de carreira. É importante que isso esteja estabelecido.”

Pitty, como fã, gosta de ser desafiada pelos seus artistas – como artista, também. Do Arctic Monkeys, grupo de Sheffield, na Inglaterra, prefere o álbum Humbug, lançado em 2009, mais roqueiro, do que Tranquility Base Hotel & Casino, deste ano. Em compensação, amava os riscos corridos pelo sempre camaleônico David Bowie (1947 – 2016) em cada um dos seus álbuns. Ou, mesmo, os shows estranhos de Bob Dylan, nos quais clássicos se tornam murmúrios musicais.

Pitty, por isso tudo, diz não ter medo de arriscar. “É importante que o artista tenha aquela barrigadinha durante o show”, ela diz e depois explica: “aquele momento no qual você diz, para o público: ‘galera, daqui a pouco eu vou tocar o hit que vocês querem, mas, antes, eu preciso que vocês ouçam minha música nova'”.

É assim que ela volta aos palcos, com a turnê Matriz. Desta vez, não há disco para divulgar nas apresentações. Ele virá depois. Dois anos distante, em uma pausa motivada pelo nascimento de Manuela, filha fruto do relacionamento com Daniel Weksler, baterista da banda NX Zero, a artista tem o plano testar os singles e experimentar canções inéditas diante do público.

Matriz começou no festival João Rock, em Ribeirão Preto, no primeiro semestre. Por ser “uma ótima oportunidade de tocar para 60 mil pessoas”, como explica Pitty, a apresentação teve uma narrativa distinta do restante da turnê, mas marcou o retorno aos palcos. Depois, Pitty passou por Salvador. E, agora, chegará a São Paulo , na Audio, no dia 21 de setembro, uma sexta, às 22h.

No repertório, Pitty promete revisitar canções marcantes da carreira, como Teto de Vidro (do disco de estreia, Admirável Chip Novo, de 2003), em versão acústica, tocada com o violão com um captador de R$ 12, com o qual ela foi criada em um quartinho dos fundos da casa onde a artista morava, em Porto Seguro, 15 anos atrás. Também entregará canções lançadas no retorno aos estúdios, como a engajada e eletrônica Contramão, lançada com as vozes de Emmily Barreto, do Far From Alaska, e da rapper Tássia Reis. Ou ainda o encontro do rock com o reggae de Te Conecta. São canções cuja sonoridade também resgata a fundação musical dela, a Priscilla Leone que existe em Pitty, uma figura das mais importantes do rock nacional a partir dos anos 2000 – cuja existência solo, aliás, foi bastante inesperada: “Sempre achei que teria uma banda”, relembra, “ser artista solo foi algo que aconteceu.”

Em 2005, Pitty cantava que “não ficaria bem na sua estante”. Na sua, na de alguém, muito menos nas lojas de discos destinadas a um estilo musical específico. Furação do rock nacional dos anos 2000, ela transformou seu som, deixou-o mais pesado a cada álbum – Admirável Chip Novo (2003), Anacrônico (2005) e Chiaroscuro (2009) -, até quebrar as expectativas ao criar um álbum delicado, no projeto folk Agridoce. Depois, com Setevidas (2014), ela soltou o peso de novo.

Agora, ela salta entre gêneros por singles. “Nunca me senti presa a alguma fórmula”, ela diz. “Se eu já chutava o balde antes, agora, nem tem mais balde!”. Quer que o novo álbum tenha um conceito, “tenha lado A e lado B”, mas que também funcione como uma playlist, flanando por diferentes estilos, para se adequar ao formato de consumo de música de hoje. “Estou pensando nas músicas de forma independente”, ela diz. Mas como fazer um álbum em 2018? “É o que estamos tentando descobrir.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Pedro Antunes
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