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Projeto Ponto Firme, feito por detentos, no SPFW

21/04/2018
Projeto Ponto Firme, feito por detentos, no SPFW
Iniciativa, criada pelo designer Gustavo Silvestre, desenvolve peças em crochê feitas pelos detentos da Penitenciária

Iniciativa, criada pelo designer Gustavo Silvestre, desenvolve peças em crochê feitas pelos detentos da Penitenciária

Uma sela em tamanho real com “grades” de linha e de lã foi armada na passarela do projeto Ponto Firme, que fez uma participação especial na São Paulo Fashion Week, no sábado, 21, marcando o primeiro dia da semana de moda. A iniciativa, criada pelo designer Gustavo Silvestre, desenvolve peças em crochê feitas pelos detentos da Penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos, e causou comoção. Baseados na premissa de que um desfile é uma narrativa, que deve contar uma história, o grupo de 20 presidiários decidiu falar do cotidiano da prisão através das roupas.

Logo no primeiro look, a camiseta branca com pontos miúdos e a calça bege remetiam ao uniforme da cadeia, usados diariamente. Algumas peças masculinas tinham corte austero e uma mistura pesada de tons escuros. Mochilas e toucas traziam aplicações escritas Racionais. E então vieram as cores. Amarelo ovo, vermelho vivo, azul anil e laranja fosforescente…

Casacos traziam desenhos geométricos traçando tons vibrantes e radicalmente contrastantes, peças em algodão, sarja e flanela bordadas vieram com pequenos bonecos e bichinhos de crochês bordados, túnicas soltas sobre calças retas em preto e branco. Aos criadores que não se encontraram na confecção de roupas, Silvestre ensinou a técnica de moulage a partir de toalhinhas chinesas de crochê, o que resultou em interessantes vestidos franjados e assimétricos.

“Para os alunos do projeto, o crochê significa uma janela dentro da prisão, que traz cor e autonomia. O processo criativo foi conduzido sempre pela visão que eles têm do mundo”, conta Silvestre, lembrando que a estilista Karlla Girotto deu deu um workshop sobre criação para os detentos, antes de começarem a produção das peças.

A mistura alegre de cores, por exemplo, segundo Silvestre, representa a luz e as pessoas que vêm de fora da prisão, como as mulheres, pais, mães, filhos e amigos. Já a música disruptiva, com cortes bruscos e zunidos estridentes, causava um desconforto proposital — tocou ainda um trecho de Diário de Um Detento, um clássico dos Racionais MCs. “As composições são 100% dos alunos, que são verdadeiros artesãos e coloristas. Tudo foi feito de maneira bem autoral”, diz Silvestre.

Para apresentar a coleção, o casting foi formado por pessoas comuns, muitos modelos negros e convidados que de alguma forma tinham ligação com a penitenciária. Duas gêmeas MCs que desfilaram, por exemplo, são filhas de pais que já estiveram na cadeia. Um ex-detento também participou do show. A cantora Luedji Luna, em um longo branco de crochê, recitou na passarela um trecho emocionante de sua música Now Frágil, mencionando corpos vedados e carcereiros, em um momento de contestação social.

“Eu era estilista, estava passando por um momento de incerteza e o crochê mudou a minha vida, me trouxe liberdade e autonomia.Não precisava mais de modelista, cortador, estamparia, nada disso. Eu me bastava com uma linha e uma agulha. Quando recebi o convite para ensinar crochê na penitenciária, pensei que isso poderia ser bom para eles, como foi para mim”, diz Silvestre. A imagem dos estilistas dentro da cadeia projetada no final do desfile mostra que ele estava certo.

Autor: Maria Rita Alonso
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