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‘Não vamos tomar atitudes voluntariosas’, diz Ilan Goldfajn

06/04/2018
‘Não vamos tomar atitudes voluntariosas’, diz Ilan Goldfajn

O presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, disse em entrevista ao Estadão/Broadcast que o País tem de encarar os seus problemas de forma estrutural, pela raiz – e o spread bancário é um deles. Segundo ele, lidar só com os sintomas leva a decisões voluntariosas e equivocadas. “Nós estamos atacando o problema, mas não vamos tomar atitudes voluntariosas que já deram errado no passado”, disse. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Os dados de atividade estão decepcionando e a inflação e os núcleos estão muito abaixo da meta. O BC ficou atrás da curva no ciclo de queda da Selic?

Tivemos uma mudança relevante da economia brasileira, que é a queda da inflação de dois dígitos para algo em torno de 3%, uma grande conquista. Houve a volta do crescimento depois de uma recessão de dois anos, para um ritmo que acredito esteja em torno de 2,5% ou 3%. A expectativa dos analistas do Focus é que este ano feche em 2,9% e o ano que vem em torno de 3%, que é mais ou menos o que a economia está crescendo na sua tendência. É claro que vamos ter momentos de crescimento menor e maior, mas a tendência parece ser essa. É uma recuperação gradual.

Por falar nisso, há uma discussão sobre a possibilidade de o juro neutro na economia brasileira ter caído.

Temos que olhar e reestimar a taxa real neutra ao longo do tempo. Na ata tem uma frase que sempre repetimos e que continua válida, de que os ajustes e reformas tendem a reduzir a taxa de juros estrutural, a neutra. Por uma questão de lógica sabemos que algumas medidas do passado tendem a ajudar essa queda, outras infelizmente ainda não foram implementadas. E temos que olhar na prática a economia e ver o que está acontecendo.

A Selic caiu, mas o spread bancário caiu menos. Há um problema de cartel? O BC tem uma agenda para lidar com esse problema, mas não seria necessário tomar medidas mais contundentes?

Temos que encarar os problemas do Brasil – e o spread bancário é um deles – de forma estrutural, pela raiz. Lidar só com os sintomas leva a decisões voluntariosas e equivocadas. Isto já foi feito no Brasil no passado em várias áreas, o que reflete esse anseio de soluções em dias ou semanas para problemas de décadas. Nessa área de spread, houve uma tentativa desse tipo há alguns anos. Nós hoje estamos atacando o problema, mas não vamos tomar atitudes voluntariosas que já deram errado no passado. Nada forçado, que possa dar resposta no curtíssimo prazo, mas que volta pior depois.

Mas então por que o spread custa tanto a cair?

No último Relatório de Inflação há um boxe sobre o que ocorreu com os juros, de todos os tipos. O que se observa é que, nos últimos cinco episódios de flexibilização monetária, desde 2003, e incluindo este agora, a queda dos spreads ocorreu de forma mais ou menos parecida, em média. Isto significa que o spread está caindo. Há uma defasagem entre a queda da Selic e do spread, da mesma forma que, quando a Selic sobe, o spread demora mais a subir.

E qual é a forma correta de lidar com o problema?

Temos um projeto para o setor bancário, a agenda BC+, que começamos no primeiro dia. Em primeiro, estamos atacando a questão das garantias. Sabemos que, quando há garantia, o juro cai muito. Aprovamos a garantia eletrônica, por exemplo. Em segundo vêm os custos operacionais. Nisso, o sistema financeiro do Brasil se destaca negativamente no resto do mundo. Há as ações trabalhistas, causas na Justiça. A reforma trabalhista pode ajudar nesse item. Também estamos trabalhando a questão da informação. O que a nós parece muito intuitivo, as vantagens do cadastro positivo para o consumidor, que permite um crédito mais barato, cria receios, de que a informação vai ser perdida, ou usada de forma negativa. Mas estamos conciliando e já estamos quase na segunda votação: a primeira foi no Senado e ontem passou a leitura do relatório na Câmara.

Mas os juros do cartão de crédito e do cheque especial permanecem muito elevados, não?

São os produtos especiais, uma questão que também estamos abordando. O juro do cartão rotativo é alto porque o setor tem muito subsídio cruzado. Nós mudamos as regras do rotativo e acabamos com a bola de neve. Depois de 30 dias, tem que oferecer uma alternativa. E a taxa de juros no rotativo regular caiu pela metade. Ok, a gente quer que caia mais, para um quarto, mas ninguém pode dizer que está caindo devagar. Em segundo lugar, o Congresso aprovou a lei que permite a diferenciação de preço do pagamento à vista. E no cheque especial vai ter uma regulação na Febraban.

Mas há também a questão da concorrência.

Também estamos trabalhando nisso. Há um ano e meio nós dividimos o sistema bancário em cinco, de S1 a S5. O S1 são os cinco maiores bancos, o S5 todas as cooperativas. Nós exigimos muito mais em termos de regulação do S1, e muito menos das cooperativas. No meio do caminho, adotamos a proporcionalidade, aliviando os menores e trazendo toda a Basileia (regras de regulação bancária) para os maiores.

E as fintechs, novas empresas de tecnologia que atuam no setor financeiro e de crédito?

É a nossa segunda frente. Houve audiência pública e vai sair ainda este mês uma regulação sobre as fintechs de crédito. Adotamos semana passada duas medidas muito importantes. Primeiro, se permitiu que todas as instituições de pagamento não bancárias tenham acesso sem nenhuma dificuldade ao débito automático, à transferência. A segunda medida foi limitar quanto uma bandeira (de cartão de débito) paga para as credenciadoras, aumentando a competição no mercado de débito. E finalmente, aprovamos há duas semanas a facilitação da portabilidade da conta salário. Agora, para mudar de banco você vai para o banco receptor, que pode mandar um comando para o seu banco para mudar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Fernando Dantas
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