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Marieta Severo rouba a cena em ‘O Outro Lado do Paraíso’

11/03/2018
Marieta Severo rouba a cena  em ‘O Outro Lado do Paraíso’

Clara, a mocinha vingadora vivida por Bianca Bin na novela das 9, O Outro Lado do Paraíso, na Globo, não é a única responsável pelas baixas de personagens na trama. Com sua tesoura assassina em punho, a vilã gananciosa Sophia, interpretada por Marieta Severo, tem dado sua contribuição na diminuição do elenco. Marieta tem cumprido uma rotina puxada de gravações todos os dias. Tempo para família e amigos, só aos domingos. Mas a atriz carioca, de 71 anos, já está acostumada com essa entrega ao papel da vez. “Meu neto, o Chiquinho, quando era menor, falava “ô, véia, se aposenta (risos)”, diverte-se Marieta, ao jornal O Estado de S. Paulo, num raro dia de folga, referindo-se, ao músico Chico Brown, hoje com 21 anos, neto também de Chico Buarque, e filho de Helena Buarque e Carlinhos Brown. “A aposentadoria é impensável, não tem a menor chance.”

Sua personagem, Sophia, transita em todos os núcleos da novela. Imagino que esse seja um dos motivos para você ter uma rotina de gravação tão intensa…

Agora menos, porque os núcleos estão diminuindo (risos). Conforme as vinganças vão sendo realizadas, não tenho de ir mais, por exemplo, à casa do delegado, já não posso corromper o juiz, porque ele está sendo desmascarado. Acho que é por isso que estou em casa hoje.

Esse volume de cenas para a personagem já era previsto?

Sim, entrei sabendo, o Maurinho (Mendonça Filho, diretor) conversou comigo, me explicou que era uma vilã e que uma das características dela é que fica espalhando as maldades por todos os lugares. Me preparei bastante para isso, inclusive fisicamente, para trabalhar horas em pé, no salto alto, fiz bastante exercício.

Você fez uma vilã também em ‘Verdades Secretas’, mas a Sophia está num outro grau de vilania, diferente da Fanny…

Em Verdades Secretas, a Fanny ia para a amoralidade. O ponto em comum entre essas duas personagens é o dinheiro ser a mola mestra da vida. E acho tão contemporâneo, tão atual, principalmente no Brasil, falar disso que faço a Sophia com muito prazer. Me custa, dói, porque tenho de falar as coisas que Sophia fala, com esse humor maligno dela. Mas, ao mesmo tempo, acho tão importante mostrar através dela esses valores que agora estão imperando na sociedade, que são o poder e o dinheiro. Em nome do dinheiro, se faz tudo. E acho que Sophia expressa isso tão bem. Tenho muito retorno (nas ruas) de Meu Deus, como você está má, ou Dona Nenê, você está muito má. Já estão deixando um pouco a Dona Nenê de lado.

Como Sophia retrata a sociedade atual, ela traz à tona também a questão da impunidade…

Sim, ela integra uma parte da elite brasileira que não quer saber de nada. Dane-se o mundo e eu ficarei impune, não vou pagar pelos meus crimes. Acho que a novela tem isso, toca em tantos temas importantes, e toca com uma fantasia livre, desvairada, que é a do folhetim, adoro isso.

Aliás, há quem comente sobre o exagero de algumas cenas da novela, que não aconteceriam na vida real…

E o que não aconteceria na vida? Isso que é engraçado, tem milhares de coisas que acontecem na vida que, de repente, se você coloca na ficção, não dá para acreditar. Acho engraçado ver os limites da ficção: não tem limites como a vida não tem.

Você falou da referência que as pessoas ainda têm da Dona Nenê quando veem você. Essa personagem ainda está muito forte no imaginário do público, não?

Definitiva. Fiz 14 anos a Dona Nenê. Se você pensar, quem começou a ver (a série) com 10 anos de idade acabou com 24. Tem pessoas que vêm me falar isso. Vem homão de barba e fala que via desde pequeno. A Grande Família entrou na vida das pessoas, aquilo já fazia parte do cotidiano. Sei que é um personagem que, até pelo tempo que fiz, é o que mais ficou grudado em mim.

Recentemente, um falso texto com críticas a Lula atribuído a você circulou nas redes. Você vai processar quem fez isso?

Não sou do mundo virtual, então não sei se vou falar bobagem. No Facebook, você chega muito rápido (a quem fez a postagem). Minha família toda, por exemplo, processou uma pessoa que falou que éramos uma família canalha, e ganhamos. Ele diz que a gente é figura pública, então pode falar o que quiser. Não, não é assim não. A gente tem direito de defender a nossa dignidade. Esse outro caso (do falso texto) parece que saiu de algum Insta, de alguém que é mais difícil de rastrear. Mas (processar) é a única possibilidade que tenho de diminuir um pouco o dano interno que essas coisas causam. Chamar minha família de canalha é uma coisa que me deu uma dor inenarrável. Minha família é muito correta, então é inadmissível que uma pessoa fale isso. Então, processar é quase que um alento que você cria para não ficar impotente completamente, não ficar à mercê. Essa pessoa escreveu isso, ela é responsável pelo que escreveu.

Então, vocês ainda estão indo atrás do autor desse texto?

Essas coisas são demoradas, porque você tem que contratar uma firma que vai rastrear. Não me apresso, é só a pessoa saber que a gente vai atrás. Não pode escrever e assinar por mim uma coisa que eu não disse, que não é minha. Nem comigo nem com ninguém.

Você vê retrocesso na sociedade hoje?

Sim, é nítido. O que sei é que as coisas são cíclicas, vai para frente, vai um pouco para trás. Até porque essa memória fica nas pessoas de uma maneira ou de outra. As conquistas sociais, de comportamento. Tira a lei que foi criada, acaba aquele benefício, vota no não sei o que lá – dá o maior medo, porque eles votam coisas que a gente nem sabe. Então, eles vão desmontando as conquistas, mas o que me dá alento é que as coisas que estão plantadas vão ressurgir em algum outro momento. Você não apaga. Não estou só falando no sentido social, as conquistas de comportamento, das mulheres. As mulheres, meu Deus, que retomaram o movimento feminista, essa garotada, fico babando de alegria. Porque tinha uma época que era cafona ser feminista: mulher é contra o homem. Não é contra, não, entende direito qual é o discurso.

Seu neto, Chico Brown, se mostrou agora ao grande público como músico, ao participar do novo disco do Chico Buarque, Caravanas. Como vocês veem essa relação dele com a música?

Temos muito orgulho dele. A gente sempre pressentiu que ele tinha um talento especial para a música, mas também com muita cautela. Ele aprendeu que, com o talento, você pode fazer alguma coisa ou nada. Ele tem um dom evidente, nunca estudou piano, mas senta ao piano e toca, tem ouvido absoluto. Agora, a construção que ele vai dar para esse talento depende dele, da vida dele.

Avançou-se muito no debate sobre o racismo, mas ainda há muito a conquistar. Chico Brown é negro. Como vocês lidam com a preocupação constante de que ele possa sofrer?

Quando veio a intervenção federal agora (no Rio), circulou pela internet um aviso para os negros andarem com documento. A gente falou para ele: Chiquinho, vê lá, você tem que andar com documento. Não me preocupei em falar para minha neta loira que ela tem que andar com documento. Isso é muito presente, e é muito preocupante, porque sei que ele pode levar uma incerta porque é negro com rastafári até a cintura. Falo disso e me sinto até ridícula, porque a quantidade de jovens negros morrendo… é uma geração inteira que está indo embora.

Você e Chico Buarque mantiveram a amizade após a separação. Você conseguiu assistir ao novo show dele?

Claro que sim, acompanho o processo todo, porque a gente tem uma produtora que produz o show. Acho que está sendo lindo esse contato de novo do Chico com o público, a maneira como o público o acarinha, aplaude. Está sendo um alimento muito bom depois de tantas porradas.

Soube que ele ficou com receio de fazer os shows.

Porque isso acaba ficando mais presente para o artista do que o lado positivo, de admiração, de amor do público com você. Esse discurso fica vencedor dentro do artista, acaba tendo mais eco. É catastrófico que um artista do porte dele, da importância que ele tem para a cultura brasileira, fique temeroso de chegar ao público, mas foi tudo maravilhoso, lindo, uma acolhida de positividade, de energia boa.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Adriana Del Ré
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