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Cantiga de viola

02/12/2017
Cantiga de viola

Normando Vasconcelos, natural de minha Paulo Jacinto, engenheiro agrônomo de formação acadêmica, reuniu um punhado de repentistas, cantadores de violas e, principalmente, trovadores que encantam o Nordeste. E o resultado não poderia ter sido outro. Trouxe à tona seu primeiro livro intitulado Cantiga de Viola que traduz sua paixão pela arte de versejar desde sua adolescência.

A obra, por sua vez, fora prefaciada pelo saudoso reitor da Ufal, João Azevedo. Quis, portanto, reverenciá-lo escrevendo improvisos que merecem ser reproduzidos. “ Vou cantar os cantadores/ Que meu amigo citou/./ São versos que ele criou/Num mundo de sonhadores./ Carregando artes e dores./ Com mais dores carregando./ Pois, no mundo versejando. Cantam felizes sem serem./ Mas, nunca vão fenecerem/Enquanto existir Normando./ Para o poeta, o primeiro./ Para ele, seu professor./ Na cantoria, um doutor./ Era o Pinto de Monteiro. / Mas no mundo brasileiro./ Tantos outros vai guardando./ Em seus versos consagrando./ Na rica alma nordestina./ Nunca terão triste sina./ Enquanto existir Normando”.

Segundo o autor, “ Escrever sobre Pinto me emociona. Pinto é o meu ídolo, o meu Roberto Carlos ou Frank Sinatra. Por todos os lugares em que se anda no ambiente de cantoria, se nota o respeito e admiração por Pinto do Monteiro, por parte de todos os cantadores e apologistas. Foi professor dos professores. O mestre dos mestres. O monstro sagrado. Guardados os devidos ambientes, épocas e especialidades, eu comparo Pinto a Noel Rosa, Chico Buarque ou Pelé. Pinto restringido ao Nordeste, ao seu sertão amado, mas, nem por isso, menos poeta, menos gênio. É como diz Zé da Luz em sua homenagem: Anormal, superando por inteiro/ Os limites da genialidade”.

Na página 18 do livro em epígrafe, vê-se Normando gravando o famoso Pinto e, por essas razões, vale a pena registrar a peleja dele com Lourival.” Cantar comigo é um risco/ Sopra o vento e sai o cisco/ Vem trovão e vem corisco/ Vem corisco e vem trovão/ Cai a chuva em borbotão/ As águas fazendo tromba/ Hoje seu açude arromba/ Nos oito pés de quadrão”.

Pinto rebate com agressividade que lhe era peculiar . “ Meu açude não arromba/ Sua parede não tromba/ Porque dois pés de pitomba/ Sustentam seu paredão/ Cai pitomba pelo chão/ Cai pitomba n’água funda/ Lá vai pitomba na bunda/ Nos oito pés de quadrão”.

A bem da verdade, Normando Vasconcelos reuniu os melhores cantadores da Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas a fim de perpetuá-los por tudo que fizeram em prol da poesia matuta. Diga-se, de passagem, trabalho maravilhoso que merece a atenção do conterrâneo que viveu sua adolescência na pacata Paulo Jacinto na década de sessenta. À época, o autor já curtia a cantoria em toda sua beleza que merece ser vista.

Manoel Floriano Ferreira, ou Mané Nenen, poeta nascido em Bom Conselho – PE, mas toda sua trajetória artística se desenrolou em Viçosa/AL. Conviveu muito com José Aloisio Vilela. Théo Brandão e outros folcloristas da Princesa da Matas. Deixou Mané Nenen muita coisa escrita, mas aqui vão algumas de suas preciosidades. Ao chegar numa casa para fazer uma cantoria. Mané Nenen começou assim: “ Pra entrar na sua casa/ Eu peço a sua licença/ Se a cantiga não for boa/ Tenha muita paciença/ Que às vezes a coisa não sai/ Do jeito que a gente pensa”.Certa vez, estava na feira da terra do Menestrel das Alagoas, dei um mote e pedi a Mané Nenen que rimasse. Deixei Celina em Traipu com ela minha saudade. Não se fez de rogado, saiu com essa beleza: “ Andei Alagoas inteira procurando o meu amor:/ Viçosa ,Paulo Jacinto, Anadia e Chorador./ Nessa andança toda só encontrei ansiedade: Porque deixei Celina em Traipu/ Com ela minha saudade”.
Parafraseando José Sarney: “ A cantoria nasce, não pode ser feita. É uma lamparina, é um terreiro, é um barracão, é uma noite, são duas violas, são quatro repentes. Começa e cresce, vai e vem, morre e ressuscita. A lua desaparece no ar, a lenda vai começar. E são repetidos galopes, quadrões como forma e como não foram de verdade viraram lendas, e de lendas viraram verdades e correm o sertão”.

Normando sustenta que desde menino que meu esporte é a vaquejada. Já andei o Brasil todo, Já ganhei muitas vaquejadas e perdi muitas também. Este converseiro todo é para que se entendam as besteira de versos que fiz.” Logo depois que comprei o Chorador/ Encontrei quase tudo abandonado/ Eu fiz cerca, fiz açude, comprei gado/ Adquiri um arado e um trator/ Contratei pessoal trabalhador/ Pra plantar todos aqueles capinzais/ Fiz um brete, uma casa e os currais/ e eletrifiquei toda a fazenda/Fiz uma pista de mourão de encomenda/ E o que é que me falta fazer mais”. Diante de tudo isso, sou testemunha viva de seu trabalho, de sua dedicação. Rendo-lhe, pois, minhas homenagens e, ao mesmo tempo, felicito-o pela iniciativa de brindar às Alagoas pelo livro colocada à disposição dos paulojacintenses.