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O Castigo

09/07/2017
O Castigo

Domingo de meio sol, desci do meu apartamento para uma caminhada na praia, andei meia hora. Ao retornar mergulhei no azul do mar, nadei. Relaxado partir em busca de cerveja e conversa fiada, avistei Gilseno, sozinho, quatro garrafas consumidas embaixo da mesa. Arrastei uma cadeira, pedi acarajé, cerveja, puxei conversa perguntando por Rosane, sua digníssima esposa. Percebi minha gafe quando ele respondeu com visível mágoa e aborrecimento.

– Me largou! Danou-se no mundo!
Gilseno sorveu um copo olhando distante para o horizonte do mar da Jatiúca. Pedi-lhe desculpa, não sabia do fato; continuamos a conversa amena, repetitiva, quando de repente o amigo desabafou.
– A sacana está em Paris!
Olhando para o cão, como se confessasse, contou-me o trágico ocorrido nos pormenores.
– Na sexta-feira antes do carnaval fui à casa de praia na Barra de São Miguel preparando para receber os amigos durante a folia. Da varanda eu contemplava a belíssima vista, a praia cheia de arrecifes, mar de um azul esverdeado que invadia a alma. Nesse momento ela apareceu, Gracinha, a filha da faxineira veio ajudar. Jovem, bonita e sensual com olhar de pidona. Seus olhos não me enganavam. Eu olhava pecaminosamente a moça desde que ela havia voltado de São Paulo, para onde partira há três anos, com menino no bucho, em busca do pai. Ficou em Sampa até que o marido desapareceu, ela tentou sobreviver, foi difícil, não conseguiu, retornou à casa da mãe.
Gracinha deve ter 18 a 19 anos, uma gracinha gostosíssima, além do mais provocante, só usa mini-saia deixando à vista detalhes do belo espécime feminino. Em São Paulo deve ter feito alguns programas, tem artimanhas para seduzir e quengar um homem.

-Continuei trabalhando na casa, mudando lâmpadas, empurrando sofá, me vi bem perto de Gracinha dentro de casa, sentia sua respiração e cheiro, não me contive, alisei seu cabelo, seus braços, ela murmurava num tom de cumplicidade, “Que é isso Seu Gilseno?”
Abracei-a e deitei-a tapete da sala, nos beijamos. Fomos à apoteose.
– Estávamos ainda estirados no chão quando de repente a porta se abriu. Rosane chocou-se com a cena. Foi um flagrante constrangedor, ela gritou com ódio, gritou feito uma louca “Cabra safado, aguente as consequências!” Bateu a porta, Retornou a Maceió.
– Não tive coragem de voltar para casa. Procurei amigos, parentes, contei a história, pedi para amigos construírem a ponte da paz. Eu estava arrependido, prometi nunca mais acontecer, e outras promessas que me davam esperança. Rosane irredutível mandou recado que ele não tivesse a ousadia em procurá-la.

– Sábado de carnaval, acordei-me na casa na Barra, pensava muito avaliando a besteira que tinha feito, ainda bem que não tínhamos filhos. À noite fui dar uma volta no carnaval do centro da Barra. Tive um susto quando vi Rosane com um short curto, barriguinha de fora, toda charmosa dançando na rua, pulando com amigos. Deixei passar um tempo, cruzava os olhos com os delas, ela mudava o olhar. Até que certa hora o álcool deu-me coragem, fui até Rosane, ela me empurrou, ameaçou chamar a polícia. Algum tempo depois me levaram bêbado para casa. No domingo deu-me uma enorme depressão. Voltei à noite para o carnaval na praça, foi pior. Ao ver Rosane abraçando e beijando a boca de um jovem, parti para cima dela, peguei-a pela manga da camisa querendo levá-la para casa; levei um soco do acompanhante. Mais tarde me levaram novamente bêbado para casa. Depois do carnaval a procurei, não consegui encontrá-la. A mulher desapareceu de casa com roupas e pertences.

– Eu soube de notícia da Rosane quando ela já estava em Paris. Na quarta-feira de cinzas assim que o banco abriu, ela sacou R$ 120.000,00 de nossa conta conjunta, foi para o Recife, de lá para Europa. Não sei quando volta, e o pior, o jovem atleta está fazendo companhia nos passeios parisienses e em sua cama no hotel à beira do Sena. Não sei como suportar esse castigo.

Ao terminar a trágica história, estávamos na 12ª garrafa quando passaram duas mulheres belíssimas, Gilseno continuou olhando para o infinito, triste, sem apetência sequer de olhar as belezas do mundo.