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Levante de 17 de julho completa 20 anos, relembrando a renúncia de um dos maiores estadistas de Alagoas

17/07/2017
Levante de 17 de julho completa 20 anos, relembrando a renúncia de um dos maiores estadistas de Alagoas

17dejulho

Vinte anos se passaram desde que foi registrada a pior crise econômica e política vivida pelo Estado de Alagoas. Três vezes governador (um feito inédito no Estado), senador, deputado federal, deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas, Divaldo Suruagy foi o protagonista maior desse episódio, já que ele se registrou durante seu último mandato de governador. Afinal, eram oito folhas de salários em atraso e todas as obras do Estado paralisadas.

O levante de 17 de julho de 1997, envolveu um homem e político, até então sem algum tipo de mácula em sua trajetória e que, foi obrigado a renunciar ao cargo de chefe de Executivo para evitar um possível derramamento de sangue. Naquela data, seria inevitável o enfrentamento entre soldados do Exército, requisitados pelo então presidente do legislativo Estadual, o deputado João Neto, policiais civis e militares, estes últimos enquadrados entre os servidores públicos, que amargavam oito meses de salários atrasados.

O clima entre o funcionalismo era tenso e se agravou com o crime que envolveu o soldado PM Militar Leandro Alves do Carmo, na época com 30 anos, que estava sem salários há cinco meses. No dia 29 de abril daquele ano, ele matou a esposa, Vitória, 37; a enteada Vitória Régia, de 15, e a filha Fernanda, 8. Depois ele se suicidou. Também atentou contra o filho, de 10 anos, que sobreviveu.

Nada mais funcionava no Estado. Sem o aporte de recursos federais, bloqueados devido a uma portaria publicada pelo Senado Federal, que proibia o repasse de recursos devido à caótica situação econômica do Estado. Desta forma, Alagoas estava sobrevivendo somente com o Fundo de Participação do Estado (FPE), garantido pela Constituição Federal.

Sem perspectiva, os servidores invadiram a Praça Dom Pedro II, em frente à Assembleia Legislativa, pedindo que os deputados votassem o impeachment de Suruagy. Tiros ao alto foram disparados por policiais; servidores públicos derrubaram as grades e o clima de viol}ência se tornou iminente.

Foi quando Suruagy, que se encontrava em casa acompanhando o desenrolar dos acontecimentos, assinou a carta renúncia, passando o cargo ao então vice-governador, Manoel Gomes de Barros.

Era o fim de uma trajetória política de sucesso, de um homem público que nunca foi acusado de enriquecimento ilícito, como provam suas declarações de bens. Formado também em Filosofia e História, professor universitário e escritor, Divaldo Suruagy, na avaliação dos que o conheceram, foi traído pelo excesso de confiança depositado em alguns de seus principais auxiliares da época. Um homem culto cuja postura ética contrastava com a da maioria dos políticos da atualidade.

Mano: “Um dos momentos mais importantes e tensos do nosso Estado”

Ao assumir o comando do Poder Executivo, Manoel Gomes de Barros detectou, de imediato, alguns pontos que estavam colocando Alagoas naquele estado de estagnação e retrocesso. Ele conta que tomou medidas drásticas, mas necessárias, que fizeram com que a administração voltasse, segundo ele, a ‘andar nos trilhos’. Mano recorda aquela data. “Historicamente, foi um dos momentos mais importantes do nosso Estado e a transição foi muito tensa”.

Em quase dois anos como governador, ele relata como conseguiu recuperar a economia e quitar as pendências com as folhas de pagamento em atraso.

“Tomamos as medidas que deveríamos ter tomado anteriormente. Conseguimos fazer o ajuste fiscal; conseguimos equilibrar despesas com a receita, o que não vinha acontecendo, já que nós arrecadávamos menos do que ganhávamos. Paralelo a isso, terminamos com o famigerado Acordo dos Usineiros. O governo federal não compreendia como estávamos pleiteando recursos, ao mesmo tempo em que não cobrávamos impostos do setor sucroalcooleiro, acarretando 18 anos sem render absolutamente nada aos cofres do Estado.

Além disso, conseguimos combater a criminalidade, exterminando a famosa ‘Gangue Fardada’, durante a minha gestão. Para isso, no combate à violência, contamos com o apoio irrestrito do então ministro da Justiça, o hoje senador Renan Calheiros, que nos deu todo o suporte possível para acabarmos com aquela situação de violência que imperava em Alagoas e que, de alguma maneira, também impedia investimentos no nosso Estado. Aquele foi, sem dúvida, o momento mais difícil da nossa história.

Outro fato que conseguimos realizar e que mudou os rumos do Estado foi a capacidade de fazermos o reencontro com o Judiciário, com quem não vinha existindo diálogo. Aquela foi uma aproximação muito importante, porque, com a ajuda do legislativo, conseguimos dialogar com os demais poderes. Tínhamos centenas de ações contra o Estado e, sem o diálogo com o judiciário, não seria possível resolvê-las. Pois resolvemos uma a uma. Editamos um decreto para equilibrar as contas do Estado, até porque não estávamos mais recebendo um centavo do governo federal. Uma resolução do Senado Federal proibia a vinda de recursos federais para Alagoas, tamanha a inadimplência em que o Estado se encontrava. Federalizamos a Ceal e, com isso, asseguramos recursos ara pagar os atrasados do funcionalismo. A partir de então, não atrasamos um dia sequer os salários dos nossos servidores”.

Prefeito do município de União dos Palmares de 1977 a 1982 e deputado estadual por três mandatos consecutivos, Manoel Gomes de Barros deixou o governo com 70 por cento de aprovação popular. Mesmo assim, não conseguiu se reeleger ao cargo, em disputa vencida por Ronaldo Lessa, em 1998. “O povo ainda amargava o desastre que havia sido a nossa gestão, principalmente pelo enorme atraso no pagamento dos salários”, avalia.

Kátia Born: “Secretário da Fazenda conduziu com calma e segurança o Estado ao maior abismo econômico do século”

A atual secretária Municipal de Saúde de Palmeira dos Índios, Kátia Born, era prefeita de Maceió naquele período. Ela recorda que a crise moral, ética, econômica e administrativa fez com que o Estado se tornasse ingovernável. “Os funcionários públicos estavam sem receber salários e o crime organizado controlava a segurança pública. A administração se achava nas mãos de um secretário da Fazenda, José Pereira de Souza, que conduziu com calma e segurança o Estado ao maior abismo econômico do século XX. Alagoas ficou à deriva. O clima era tenso na manhã do dia 17 de julho. As lideranças sindicais achavam-se nas ruas de Maceió. Tudo poderia acontecer, até mesmo um banho de sangue. Durante o dia 16 recebi informações de companheiros do movimento sindical e do Exército brasileiro, adiantando que nada indicava que o dia 17 seria um dia em que os servidores fariam mais uma passeata denunciando o estado de miséria e abandono. Ao amanhecer do dia 17 de julho, as tropas ocuparam ostensivamente o prédio da Assembleia Legislativa e se postaram em sentido de defesa do Poder Legislativo.

Os militares da PM também estavam em posição de ataque. Estava montado o cenário ideal para a guerra anunciada. Os militares residentes em Alagoas acompanhavam o dia a dia e nem eles acreditavam que a Polícia Militar fosse capaz de manter a ordem e a segurança pública, devido à insubordinação da tropa. Aumentava ainda mais a crise de Poder, evidenciando a ingovernabilidade. Além disso, a falência no comércio em Maceió e no interior crescia enormemente; um rastilho de sangue e dor se propagou por toda Alagoas.

No final da manhã, fui ao encontro da multidão de funcionários públicos e populares que já ocupavam a praça Dom Pedro II. Senti-me no dever de entrar no prédio do parlamento estadual, ocupado pelo Exército. Pelo microfone do carro de som dos manifestantes falei a todos e disse que, como prefeita de Maceió, iria adentrar o prédio. Postei-me entre os militares da Polícia Militar de Alagoas e dos policiais civis e, juntos, derrubamos as grades, menos pela nossa força física e muito mais pela aglomeração da multidão forçando as grades. Desse momento em diante foi aberto fogo pelos militares do Exército. Felizmente, diante da multidão enfurecida, os militares recuaram.

A cena de guerra, a derrubada da grade e todo o clima de quase insurreição popular abreviaram a renúncia do governador Divaldo Suruagy. O dia 17 de julho de 1997 mudou Alagoas. E o Partido Socialista Brasileiro nesse contexto contribuiu enormemente para que ocorressem mudanças significativas em Alagoas.

Kátia Born é formada em Odontologia pela Universidade Federal de Alagoas. Começou na política em 1982, quando foi eleita vereadora de Maceió pelo PMDB. Foi a primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores e lutou para criar a Delegacia da Mulher e do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher.

Em 1992, foi nomeada secretária Municipal de Saúde. Elegeu-se prefeita em 1996 pelo PSB, sendo reeleita em 2000. Também assumiu a Secretaria Estadual de Saúde, criando o primeiro núcleo do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) no interior, em Arapiraca. Foi responsável pela criação nesse período de mais 28 Centros de Atenção Psicossocial. Em 2008, assumiu a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação. Comandou a Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos de Alagoas.

 

Jornalista destaca lição de cidadania herdada por todo aquele processo

Secretário de Comunicação da Prefeitura de Maceió em 1997, o jornalista Joaldo Cavalcante lembra que aquele processo levou ao surgimento do setor de Gerenciamento de crises na PM e que, desde então, nunca mais houve atraso no pagamento dos servidores.

“Eu era secretário de Comunicação da Prefeitura de Maceió. A prefeita Kátia resolveu comparecer à Assembleia Legislativa e exigir a abertura do centro da praça, circundada de grades, para que a multidão tivesse acesso e ali pudesse se manifestar. Quando a grade virou, começou o tiroteio. Eu me protegi deitado ao pé de uma frondosa gameleira. A sensação, diante da profusão de tiros, era de que haveria uma carnificina no final. A maioria dos tiros foi de festim, e os disparos com armas de verdade foram para o alto. O governo estava acuado e o parlamento, sitiado. Cerca de 10 mil manifestantes deram o tom, com o tiroteio apressando o afastamento de Suruagy.

Eu diria que, desde aquela data, não mais houve atraso no pagamento de folha salarial do conjunto dos servidores. Até a relação entre a polícia e os manifestantes mudou de postura. Veja que esse processo levou ao surgimento do setor de gerenciamento de crises na PM. O episódio ofertou à história uma lição de cidadania. A organização das pessoas construiu o movimento”.

Neste 17 de julho, Joaldo Cavalcante está lançando o livro “A Gameleira, as lembranças e a história decidida à bala”, justamente relatando as memórias desse episódio que ele vivenciou como participante, retratando, jornalisticamente, o tiroteio e a renúncia. O lançamento acontece no Restaurante Anamá, na Ponta Verde, em Maceió, às 19 horas.

Historiador diz que a renúncia de Suruagy foi o fim de um ciclo de Poder

O historiador Geraldo Magela também foi partícipe daquele episódio e avalia que a renúncia do governador Divaldo Suruagy, forçada pelos movimentos sindicais dos funcionários públicos, foi um fato sem precedentes na história de Alagoas.  Ele detalha os momentos daquele processo:

“A crise financeira saiu do controle e tomou proporções gigantescas no governo Suruagy. E, para quem se elegeu com 83% dos votos, surfando na crise do governo Geraldo Bulhões que era o retrato da incúria administrativa não demorou muito passou a não apresentar saída para a crise financeira.

Suruagy, com a experiência de quem já havia governado Alagoas em duas outras oportunidades – a primeira indicado pela ditadura e a segunda eleito pelo voto-, não foi capaz de estancar a crise financeira e administrativa.

A crise cresceu de tal maneira que os salários dos funcionários do Estado que já estavam atrasados em dois meses do governo Geraldo Bulhões, em pouco tempo passou a ser de dez meses.

Outros elementos potencializaram a crise financeira: o desmonte da administração estadual, as polícias, a militar e a civil sem controle, a hierarquia fora quebrada e grupos criminosos exerceram o comando paralelo.

Foi constituindo uma organização criminosa que ficou conhecida como Gangue Fardada. Esse grupo passou a matar por encomenda, assaltar, extorquir empresários e também a prestar serviços de cobranças de empresários. Um completo desmonte da segurança pública.

A Secretaria da Fazenda não apresentou alternativas para estancar a crise e, muito menos, apresentava qualquer saída para a crise; os funcionários públicos mobilizados foram às ruas, protestaram e, no dia 17 de julho, tentaram entrar no prédio da Assembleia Legislativa, que estava protegido por centenas de militares do Exercito.

A iminência do confronto na manha daquele dia, quando a prefeita Kátia Born com a multidão de funcionários públicos, militares e civis forçou a entrada na Assembleia, conseguindo a derrubada das grades: é nesse momento que os militares atiram para o alto e cria-se um tumulto enorme na praça Dom Pedro II, em Maceió.

A renúncia do governador Suruagy acontece em meio a essa agitação e iminência de confronto entre os militares do exército e também militares e funcionários de outras categorias que protestavam.

O ciclo de poder encabeçado por Suruagy, iniciado em 1964 com o golpe militar que se revezava no Poder, se esvai no dia 17 de julho.

A dèbacle desse grupo politico ocorre da maneira mais melancólica possível e inesperada. Ao ser dragado pela crise econômica, financeira e política Suruagy, como símbolo histórico do grupo, sai do governo escondido, humilhado e deixa um rastro de desordem nunca visto na historia de Alagoas. Milhares de funcionários ficaram sem salários, mais de 25 mil funcionários foram forçados a aderir ao PDV, no desespero de encontrarem uma alternativa para solucionar as suas contas pessoais. Essa crise ainda hoje é vivenciada pelos alagoanos.

No governo federal, Fernando Henrique Cardoso (FHC) negocia uma saída para Alagoas aplicando as maiores taxas de juros do país. De uma divida de 2, 2 bilhões, hoje essa divida é de 11 bilhões. O Estado já pagou cerca de 8 bilhões e ainda continua devendo essa exorbitância. A divida de Alagoas com o governo federal é impagável. Essa ainda é uma das heranças do governo Suruagy.

Alagoas, por muito tempo, por décadas, vai viver com esse fantasma rondando sobre si.”

Jornalista e historiador diz que Alagoas se ressente pela ausência do maior político da sua história

O historiador e amigo pessoal de Divaldo Suruagy, o jornalista e promotor de Justiça, Ivan Barros, só tem a lamentar a maneira como se encerrou o episódio que culminou com a renúncia do gestor, em seu terceiro mandato como governador de Alagoas. A pedido do próprio Suruagy, Ivan Barros editou, em 2015, as memórias do amigo, na obra intitulada “Divaldo Suruagy Vida e Obra de um Estadista”.

Com pesar, Ivan Barros relembra aquele episódio:

“17 de julho de 1997 foi uma tragédia politica, que ainda hoje marca a historia de Alagoas, porque envolveu uma personalidade das mais brilhantes na politica alagoana. Governador do Estado três vezes – ninguém mais conseguiu esse feito – foi senador, deputado federal, deputado estadual, prefeito de Maceió, enfim, uma carreira brilhante lograda por poucos políticos, em uma carreira de tantos êxitos e vitorias.

O movimento de 17 de julho deu-se mais porque Suruagu confiou muito no secretario de Fazenda. Entregou plenos poderes a ele, que preferiu pegar o dinheiro publico da arrecadação, para fazer o investimento em letras podres, que só trouxeram prejuízo para a economia alagoana. Suruagy confiava plenamente no seu secretário,  que uma vez disse, na minha frente, na casa de Geraldo Sampaio, que preferia aplicar nas letras do que pagar aos servidores públicos. Mentalidade tacanha. Afinal, ele veio do Rio de Janeiro e pouco entendia do mercado do Nordeste. Pois ele reservou essa trajetória para Suruagy, que teve um final melancólico, trágico e injusto.

Pressionado pelos servidores com salários e atrasados e, diante da possibilidade de enfrentamento, aquele dia foi intranquilo na capital alagoana. Divaldo Duruagy estava no gabinete do palácio, ao lado dos familiares e assessores e acompanhava as notícias pelas emissoras de rádio e informação dos assessores. Naquele lomento, chamou Clayton Sampaio (secretário de Administração à época), que trazia uma carta em mãos. Ele suspirou profundamente e assinou a carta de renúncia, na tentativa de evitar derramamento de sangue, conforme me disse horas depois. Quando vi o movimento pressionando os deputados para votar o impeachment, encontrei Divaldo, saindo na porta do Palácio e eu disse: aqui estou ao seu lado, meu amigo, companheiro nas horas boas e difíceis. Suruagy despediu-se de todos.Afinal, renunciar ao cargo seria uma atitude de coragem cívica. Na praça Dom Pedro II, o deputado João Neto havia solicitado tropas federais para garantir a tranquilidade dos trabalhos. Mas a população e policiais invadiam a praça e houve pânico com a perspectiva de tiroteios e possíveis vitimas. Era muita balburdia.

O presidente Fernando Henrique Cardoso ligou para o governador, pedindo que ele encontrasse uma solução, quando foi informado que estava passando o governo para o vice, Manoel Gomes de Barros. O presidente concorda e manda a Maceió o general Alberto Cardoso e o senador Iris Rezende  como observadores. A 100 metros da Praça, as ruas ficaram expostas ao vandalismo. Os assaltos obrigaram os comerciantes a fecharem suas portas.

O vice-governador, ao receber o comando do governo, reuniu-se com o presidente da Assembleia Legislativa e mostrou a carta renúncia. Terminava ali uma carreira brilhante, de um governador que trouxe escolas, construiu casas populares, o que mais pavimentou estradas no Estado de Alagoas. Fui amigo de Divaldo até o fim da sua vida. Divaldo foi me visitar após uma convalescença, quando falei para ele que estava na hora de escrever sua biografia. “Escreva por mim. Eu já não tenho tempo”, disse ele. Fiquei curioso com aquela frase. Em seguida, descobri que ele já estava doente. Recebi essa tarefa e escrevi o livro, em homenagem ao maior amigo que eu tive na minha vida. Hoje, 20 anos depois, o povo ainda não se esqueceu daquela tragédia e Alagoas se ressente pela ausência do maior político da sua História”.

O livro ‘Divaldo Suruagy Vida e Obra de um Estadista’ foi lançado em 23 de outubro de 2015, na Academia Alagoana de Letras, em Maceió.

Heloisa Helena: uma metralhadora apontada por um deputado para sua cabeça

Como líder da oposição na Assembleia Legislativa, a então deputada estadual Heloisa Helena foi uma figura chave no movimento que culminou com a saída do governador Divaldo Suruagy. Ainda hoje, ela recorda o clima de guerra montado na Praça Dom Pedro II:

“Havia tanques do Exército tentando impedir a manifestação e policiais civis e militares, alguns até munidos de granadas. Alguns policiais encapuzados tentavam me convencer a deixar o prédio da Assembleia, para que as granadas pudessem ser lançadas lá dentro. Eu não me sentia parte da Casa, mas não imaginava chegar ao ponto de ter uma metralhadora apontada para o meu rosto por um deputado, dizendo que eu seria a primeira a ser atingida. O derramamento de sangue só foi evitado pela saída do governador. Hoje, fico feliz porque as pessoas acordaram através das redes sociais, mas eu nunca dormi. Sempre marchei independente de internet”.

Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho é enfermeira, professora e política brasileira, filiada à REDE. Foi a 3ª mulher que recebeu mais votos em uma campanha à presidência do Brasil, atrás apenas de Marina Silva e Dilma Rousseff em 2010. Em 1998, foi eleita senadora por Alagoas, com a maior votação daquela eleição. Discordou de políticas do PT que tinha por conservadoras e, em 2003, foi expulsa da legenda. No ano seguinte, foi uma das pessoas que fundaram o Partido Socialismo e Liberdade. Participou, em 2013, da fundação do partido Rede Sustentabilidade.

Suruagy: “Conforma-me saber haver deixado marcas jamais superadas por qualquer outro governador desta terra”

Transcrito no livro do historiador Ivan Barros trechos onde o ex-governador descreveu aquele episódio:

“Na terça-feira, 15 de julho, centenas de policiais militares desfilaram pelas ruas centrais da capital alagoana, reivindicando uma causa mais do que justa: a regularização dos seus salários atrasados. Reconhecíamos ser legítimo o pleito. Só que não podia ficar restrito ao poder armado do Estado. A pretensão é verdadeira para todo o funcionalismo. Tomando conhecimento de que a passeata estava em frente ao Palácio Marechal Floriano Peixoto, dirijo-me ao Salão de Despachos, símbolo da governabilidade, permaneço com o vice-governador, ao lado de pequeno número de amigos e oficiais do Gabinete Militar, que ali se encontravam.

O cargo exigia uma atitude de coragem cívica. Nada de grave aconteceu. No dia 17 de julho, a concentração foi na Praça Dom Pedro II, em frente à Assembleia Legislativa. Após a invasão da praça e o tiroteio, o presidente da Assembleia me telefona, angustiado, pedindo que criasse condições para que eles pudessem aair ilesos. Assistindo, pela televisão à correria reinante na Praça, preocupado que ninguém fosse morto, decido esvaziar o movimento, tirando uma licença com prazo determinado. Telefono para o presidente Fernando Henrique, dizendo que era a melhor solução, para evitar um conflito de consequências imprevisíveis e informo que estava passando o governo para o vice, Manuel Gomes de Barros, como já fizera dezenas de vezes.

Os ministros enviados pelo presidente chegaram no final do dia. Reuni os deputados governistas e formalizei e transferência de governo. Pedi que fossem leais ao Mano tanto quanto eram a mim. O gesto, naquele instante anunciado, emanou de quem, governador de Alagoas pela terceira vez, legítima e democraticamente eleito, no último pleito sucessório pela expressiva marca de 82 por cento da vontade popular, sempre deu tudo por Alagoas. Significou, também, meu permanente empenho em zelar pela segurança e tranquilidade dos alagoanos, cujos superiores anseios não podiam ficar à mercê de manifestações emocionais exacerbadas, mas, ao contrário, precisavam do resguardo de gestos afirmativos e de grandeza pessoal.

Como governador de Alagoas em três mandatos, conforma-me saber haver deixado marcas jamais superadas por qualquer outro governador desta terra, na construção de estradas asfaltadas, de casas populares, de unidades educacionais e hospitalares e de outras obras em que se assenta o desenvolvimento econômico do Estado”.

Suruagy morreu em março de 2015, aos 78 anos

O ex-governador Divaldo Suruagy faleceu no sábado, 21 de março de 2015, aos 78 anos, depois de sentir-se mal em casa e ser encaminhado para o Hospital Arthur Ramos, na Gruta de Lourdes, onde chegou em óbito.

No ano anterior, ele havia se submetido à cirurgia para retirada de um tumor. Mas em dezembro, dois novos tumores surgiram, fazendo com que seu estado de saúde ficasse muito debilitado.

Divaldo Suruagy nasceu no dia 5 de março de 1937. Era natural de Lajedo/PE, bacharel em História e Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Alagoas, foi funcionário público da prefeitura de Maceió, onde chefiou a Divisão de Impostos Prediais e Territoriais. Foi presidente da Central de Abastecimento S/A (CEASA) e da Companhia de Silos e Armazéns de Alagoas.

Iniciou a vida política no governo de Luiz Cavalcanti, onde foi secretário da Fazenda. Foi eleito prefeito de Maceió pelo PSD em 1965, deputado estadual e líder da bancada em 1970, no governo de Afranio Lages. Assumiu o governo de Alagoas em março de 1975, por meio de eleição indireta, indicado pelo governo federal. Em agosto de 1978 desligou-se do cargo para disputar uma cadeira na Câmara Federal, quando foi eleito.

Em 1982, ele assumiu novamente o cargo de governador. Em 1994, foi eleito com a maior votação para o cargo no País.