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A sequela

11/06/2017
A  sequela

Adonias era jovem e pedreiro dos bons. Certo sábado pela tarde resolveu adiantar um serviço de assentamento de pastilhas na fachada do edifício. Estava preparando o andaime para trabalhar quando de repente escorregou; ainda não havia colocado o equipamento de segurança individual, deu-se o desastre, caiu do quinto andar.

Teve muita sorte, os andaimes abaixo amorteceram a queda e Adonias caiu em cima de um monte de caixas de papelão e areia fofa. A pancada foi forte, os colegas o levaram imediatamente para o Pronto Socorro. O médico que atendeu o acidentado confirmou ter sido um milagre. Adonias estava cheio de escoriações, hematomas e vários ossos quebrados. Contudo, um detalhe inusitado chamou a atenção, talvez pela pancada deu-se uma sequela imediata, o priapismo, ou seja, a ereção persistente e constante do pênis, mais conhecida pela massa ignara como “paudurecência”.

Enfaixaram e engessaram Adonias em suas múltiplas contusões, porém, o levantar do lençol em certo local, dava para perceber o priapismo. O médico previu no mínimo vinte dias de cama e determinou sua transferência para algum hospital. Levaram Adonias em ambulância para uma Casa de Saúde com todo corpo enfaixado, apenas uma parte livre e dura. Dia seguinte um jornal fez reportagem sobre o acidente, acusando a falta de segurança da construtora e o jornalista destacou a sequela do priapismo.

A partir desse dia não houve mais sossego para Adonias. Foi visitado por curiosos e por gente interessada em estudar o fenômeno. Uma turma de estudantes de medicina acompanhou o caso diariamente. Algumas jovens foram de tamanha dedicação, davam plantão à noite tentando resolver o problema. Algumas visitas voluntárias até dormiam como acompanhante, uma mostra de solidariedade humana. Duas beatas de uma igreja da redondeza, quando souberam do acontecido entraram nessa corrente, dando seu sacrifício para confortar o pedreiro. Ramona, um conhecido homossexual, fez várias tentativas para debelar o priapismo do jovem, ele gostava de admirar aquela “doença.”

Adonias foi se recuperando dos ossos quebrados, mas a dureza continuava desafiando a medicina, mesmo com todas as solidárias tentativas.

O dono da construtora contratou algumas jovens da Boate Areia Branca. As profissionais não conseguiram amolentar. Pedro já se sentia incomodado com tanta gente cheia de caridade.

Depois de sete dias e seis noites de ininterrupta rigidez, lembraram em falar com Mãe Dolores, que atendia num terreiro do Tabuleiro. Certa noite levaram Mãe Dolores, coroa bonita e experiente, ex dançarina do Circo Garcia, ainda jovem trabalhou em várias casas noturnas pelo Nordeste. Conhecida dos velhos boêmios pelos seus dotes e serviços completos, ela sabia posições sem nunca ter lido o Kama-Sutra, fazia um “frango-assado” como ninguém. Uma mestra.

Explicaram qual o trabalho, abaixar o priapismo, ela aceitou. Ao chegar à Casa de Saúde pediu para ficar a sós com o paciente dentro do apartamento e entrou com ramos e óleo de benza trancou a porta por dentro. Mais de 40 minutos se passaram quando ouviram um barulho como se fosse um baque no chão. Os amigos bateram à porta, preocupados. Dolores apareceu toda faceira, sorria maravilhosamente com cara desavergonhada. Dentro do quarto, Adonias enfaixado, caído no chão, satisfeito, vibrava olhando a parte afetada: “Consegui! Consegui! Viva Dolores!”

O caso do priapismo foi discutido em seminários em todo o Brasil e no exterior. Alguns cientistas disseram que foi a pancada da cabeça no chão devido à queda da cama que fez voltar ao normal. Os esotéricos acharam que a cura foi devido à reza de Mãe Dolores. Já os boêmios, os conhecedores da vida e dos serviços da dançarina tiveram certeza que foi o divino trabalho de Dolores, sua especialidade, o “frango assado” que ela fazia magistralmente. Mestra nesse ofício, ela ainda tinha mais alternativas além do “frango assado”, como o “psilone”, o “rolo compressor”, o “130”, para resolverem com magia e competência a sequela de Adonias.