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As entrelinhas do discurso de Trump

06/03/2017
As entrelinhas do discurso de Trump

A linguagem revela muito sobre o caráter de uma pessoa. O mesmo vale para um político como Donald Trump. A linguista americana Elisabeth Wehling, da Universidade de Berkeley, virou a noite em seu escritório na Califórnia, no primeiro discurso do presidente dos Estados Unidos no Congresso: para alguém que pesquisa a linguagem da política, era hora de trabalho.

O estilo retórico de Trump é um tema apaixonante para ela, e diariamente o político fornece novo material de análise. Enquanto a mídia estava em polvorosa com o estilo do novo presidente, Wehling escutava com toda atenção. E não encontrou nada de novo, em termos de conteúdo.

Apenas a apresentação é diferente. “Nota-se, claro, que o discurso havia sido redigido. Não é por acaso que se divulgou um vídeo em que Trump é visto ensaiando”, afirma.

Esse tipo de teste é comum antes de declarações importantes, mas não para o ex-magnata imobiliário: até agora, o 45º presidente dispensava o teleponto e textos ensaiados, falando espontaneamente e sem censura.

Elisabeth Wehling ouve outro tom, mas detecta a mesma mensagem. “As imagens dele continuam sendo muito intensas, representativas de sua mentalidade ultraconservadora”: sangue, guerra e a viúva de um soldado são símbolos com que Trump procura emocionar.

 

Comunicação pelo Twitter

 

Donald Trump sabe o efeito que suas palavras têm, e o aplica com precisão, não só em discursos, mas também nos tuítes. Para Wehling, é tudo planejado: tuitar para desviar a atenção da própria política.

Ao mesmo tempo, ele gera imagens mentais que chegam até os leitores diretamente e sem filtro. E aí, como quem não quer nada, Trump pergunta a opinião deles. “Ele escreve um tuíte, joga no ar uma tese crassa e fica vendo como as pessoas reagem.”

Os fãs compartilham os tuítes, repetindo, assim, essas imagens verbais. Mas o perigo é quando os adversários copiam esse comportamento, escrevendo sobre “notícias falsas” e repetindo as assertivas do político.

“Donald Trump é um empresário experiente, ele sabe como fazer suas ideias ‘pegarem'”, diz Wehling. Portanto, afirma, é um grande erro da imprensa condenar as ideias dele, mas, mesmo assim, divulgá-las.

 

Forma diferente, conteúdo igual

 

Trump visa despertar emoções no público com sua linguagem. Outra linguista americana, Jean K. Gordon, comparou as palavras nos discursos do atual presidente às dos democratas Bill Clinton e Barack Obama, e descobriu que as falas de Trump concentram o maior número de conceitos negativos.

O discurso no Congresso, porém, foi bem mais positivo, indicando uma nova estratégia dele e de sua equipe.

Os tuítes e discursos espontâneos do chefe de Estado republicano são confiáveis para os apoiadores dele. Ele emprega frases curtas, palavras simples e imagens acessíveis. Essa também foi sua estratégia antes das eleições – e ele venceu. Agora, é criticado por isso.

“O discurso de Trump no memorial em Langley e sua apresentação no National Prayer Breakfast foram catastróficos”, exemplifica Theresa Heyd, linguista da Universidade Duisburg-Essen.

Mas recentemente ele mostrou que sabe ser diferente: depois de um comportamento agressivo e incontrolado, apresenta-se tranquilo e bem disciplinado. Elisabeth Wehling, no entanto, considera exagerada a euforia em torno do novo tom de Trump:

“Tanto faz como tanto fez, se ele fala com grosseria ou calmo: o que realmente importa são os conteúdos, e eles permaneceram iguais.”