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Escritor palmeirense lança livro “Consumo de Drogas”

23/10/2016
Escritor palmeirense lança livro “Consumo de Drogas”
Entrevista
 
O advogado criminalista Francisco de Assis de França Júnior, é natural de Palmeira dos Índios, interior de Alagoas. Professor de Criminologia e Direito Penal há onze anos no Centro Universitário CESMAC, em Maceió, pós-graduado em psicologia jurídica e em ciências criminais, atualmente é mestrando pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal.
Autor de cinco livros, há um mês lançou seu mais recente trabalho, pela editora Lumen Juris, e que está disponível nas livrarias de todo o estado.  Intitulado “Consumo de Drogas” – Uma análise crítica da política luso-brasileira,  o livro já é considerado bastante polêmico pois traz um debate sobre a questão criminal relacionada a delitos por causa das drogas, e também, sobre a descriminalização do uso delas. Em entrevista ao jornal Tribuna do Sertão o autor conta um pouco como desenvolveu em sua obra essa temática tão importante, porém considerada tabu para a sociedade brasileira. E como diz o próprio autor “O livro é uma grande pergunta”.
 
Lucianna Araújo
 
Tribuna do Sertão (T.S.) – Você lançou, recentemente, um livro que trata sobre o consumo e descriminalização de drogas. Como você chegou a essa temática e do que trata o livro?
França Júnior (F.J.) – A vontade de escrever o livro nasceu de minha curiosidade sobre o porquê de não conseguirmos avançar com algum sucesso sobre a problemática das drogas no Brasil. Percebi que, apesar de tantos esforços, sobretudo por parte de nosso sistema de segurança pública, o problema das drogas permanece em níveis alarmantes de preocupação. O livro, portanto, aborda as incoerências, os preconceitos e as consequências danosas de nossa ultrapassada política para o setor. O livro, na verdade, é um chamado à reflexão sobre os resultados do que tem sido feito por nossas autoridades sobre o consumo problemático de drogas.
 
T.S. – O que significa, para você, a descriminalização das drogas?
F.J. – Há muita confusão sobre o termo. É sempre preciso deixar claro o que acontece, especialmente para quem não está acostumado com as questões jurídicas do debate. Descriminalização é a retirada do conflito do âmbito do sistema criminal, o que não significa que o mesmo deixará de ser submetido a mecanismos de controle e de regulação. No caso do consumo problemático das drogas, a descriminalização vem acompanhada do empoderamento de diversos outros sistemas, como os de educação, assistência social e, principalmente, o de saúde pública. A responsabilidade para lidar com o problema migra de um ambiente bélico e repulsivo, o que afasta e mantém na clandestinidade os usuários, para outro mais acolhedor e discursivo. São com investimentos a partir dessas áreas que as políticas públicas sobre drogas têm conseguido resultados satisfatórios na Europa.
 
T.S. – Essa política daria certo no Brasil?
F.J. – Essa é uma pergunta recorrente e demasiadamente importante para nós. Primeiro é preciso termos um apurado senso crítico sobre a importação de políticas públicas estrangeiras. O fato de terem dado certo no país de origem não significa que produzirão os mesmo resultados nos demais. É óbvio que cada país tem suas particularidades, características únicas, que devem ser levadas em conta na formulação dessas políticas. Mas, ainda assim, é possível aprender bastante com essas experiências estrangeiras, muito especialmente sobre o que não fazer. Por conta dessas dificuldades, para escrever o livro, percebi que seria preciso encontrar experiências exitosas em locais cuja cultura se aproximasse o máximo possível da nossa. Foi justamente por isso que escolhi Portugal, nossa principal matriz cultural e um dos primeiros países do mundo a descriminalizar toda e qualquer droga.
 
T.S. – Para você, o que é droga?
F.J.-  Toda e qualquer substância que altera o funcionamento regular de nosso cérebro. As pessoas, na generalidade, têm a ideia de que somente substâncias como a maconha, a cocaína, a heroína e o crack fazem parte desse rótulo. Têm-se reservado o termo “droga” apenas as substâncias consideradas ilegais, mas o álcool,  a nicotina, a cafeína, as aspirinas, os ansiolíticos e até o sal ou açúcar também o são. E há consumo problemático de todas elas. Só que, umas tratadas pelo sistema criminal, outras não.
 
T.S. – Existem pesquisas que apontam o que as drogas podem provocar a partir de seu consumo?
F.J. – Inúmeras delas, mas nem todas confiáveis e compatíveis com a medicina moderna. Ainda hoje há gente que argumenta com base em pesquisas de cinquenta anos atrás, realizadas em ratos, cuja dinâmica de interação é completamente diferente do ser humano em sociedade. Os efeitos variam conforme a influência de uma infinidade de circunstâncias. Dependerá do principio ativo, da quantidade, do “estado de espírito” do consumidor no momento, do ambiente e da sua interação com ele, enfim, de uma séria de fatores.
 
T.S. – Seria possível viver em um mundo sem drogas ou isso é uma utopia?
F.J. – Creio que não. As drogas sempre existiram, sempre estiveram presentes na vida do homem, e dadas as circunstâncias, duvido que um dia possamos conseguir sobreviver sem elas. O problema não é a droga, mas como lidamos com ela.
 
T.S. – O que precisa ser modificado para que o usuário de drogas não seja marginalizado?
F.J. – Descriminalizar é um passo importante. A criminalização joga o usuário na clandestinidade, afasta-o da família e dos amigos, marginaliza-o ao ponto de não permitir qualquer aproximação para aconselhamento e eventual tratamento. Não há acolhimento no sistema criminal,  muito menos no aparelho policial. Não há formação pra isso em nossas polícias, que são as mais demandadas diante do conflito. A única linguagem que reverbera é a bélica. E a belicosidade afasta.
 
T.S. – O que os órgãos e entidades, dos estados e municípios, podem fazer para que o tratamento ao usuário de droga seja eficaz e ele não se sinta criminalizado?
F.J. – Livrar-se do preconceito eu diria que é a principal providência. Boa parte das pessoas, inclusive as que trabalham nos órgãos públicos, acha que o consumo problemático de drogas é fruto pura e simplesmente do livre-arbítrio do sujeito. Não levam em conta as inúmeras variáveis que podem concorrer para o consumo: a competitividade do mercado de trabalho, uma desilusão amorosa, uma perda repentina, pressões de todos os tipos, traumas, entre tantas outras. Às vezes a única fonte de prazer que se apresenta ao sujeito é a droga. E é por prazer que nós vivemos. Os profissionais que lidam com essa área precisam estar preparados, ter uma boa formação humanística. Além disso, o tratamento, em qualquer circunstância, precisa ser voluntário, caso contrário, está fadado ao insucesso.
 
T.S. – Qual o papel da família quando existe um usuário de droga dentro de casa? Como agir e conversar com os filhos sobre esse tema que ainda é considerado um tabu?
F.J. – A família é fundamental nesse processo de conscientização e de apoio. Seus integrantes são os primeiros seres com os quais interagimos, logo, muito de nós é um espelho desse núcleo social importante. O diálogo franco e honesto é fundamental. Não adianta evitar o tema da droga, uma hora, cedo ou tarde, ela chega diante de nós. Aí, é preciso estar munido de informações suficientes para saber lidar com a situação, como, por exemplo, é preciso saber que a droga pode sim trazer prazeres momentâneos, mas que há consequências que podem ser danosas, que podem comprometer nossas vidas. O problema é que o senso comum tem optado por demonizá-las, o que trava o debate e gera desinformação.
 
T.S. – O jornal Tribuna do Sertão agradece pela entrevista. Fique à vontade para as considerações finais.
 
F.J. – O livro tenta aprofundar essas questões que pontuei rapidamente. É uma obra que não aponta para respostas, pois elas não existem, mas que se preocupa em enfatizar perguntas, em refletir sobre o que temos feito a respeito do assunto e o que temos obtido como resultado. Espero, portanto, poder despertar um debate honesto intelectualmente.
 
Olho 1: “A criminalização joga o usuário na clandestinidade, afasta-o da família e dos amigos”
Olho 2: “Não adianta evitar o tema da droga, uma hora, cedo ou tarde, ela chega diante de nós”
Livro 2

Capa do livro: Francisco de Assis de França Júnior lança livro que trava um debate sobre o consumo de drogas. (Foto: Reprodução/Lucianna Araújo)