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Mutações na nova mulher

07/09/2016
Mutações na nova mulher

Uma dama (“socialite”) da sociedade alagoana, ao completar 70 anos de idade, escreveu uma crônica (Camas Separadas), onde confessa que “de uns tempos para cá vem pensando, seriamente, em trocar a cama de casal, por duas de “solteirão”. […] “As razões são mais óbvias que nariz na cara. Estamos envelhecendo, eu e o marido. Diante de tal conjuntura, passamos a admitir, administrando “numa boa” nossas diferenças, senão vejamos: Adoro o frio. Quase não me cubro à noite, ar condicionado gelado. Ele, por sua vez, se enrosca no “edredom” deixando apenas o nariz de fora. Legítimo sertanejo. Ele já foi capaz de dormir numa rede da varanda sobre a qual os raios do sol incidiam. Nem o calorão do meio dia ou a claridade excessiva conseguiu perturbá-lo. Só de olhar, transpirei, aflita. Mas permanecemos, por 40 anos, discretamente resignados enfrentando essa diferença. […] Necessário se torna salientar que, via de regra eu o empurro na cama durante a noite, na inconsciência do sono profundo, até deixá-lo distante, e me espalhar. Dia desses, ele caiu no chão. Ouvi o baque e senti a enormidade do meu egoísmo. Resolvi falar conciliando propósitos e objetividade. Comecei a praticar a novidade no apartamento em Maceió. Dois quartos com cama de casal. […] Num deles passei a dormir sozinha, com toda potência do ar condicionado. Num outro, ao lado poente, ele, com aparelho de ar desligado. Verdadeiro micro-ondas. Quando ouvi o ator Marcelo Antony, interpretando o personagem Cássio, em Beleza Tropical, dizer à namorada, após uma boa transa, que ela fosse dormir no quarto ao lado: “porque ele gostava de dormir esparramado!”, aproveitei a deixa. Adotei a fórmula […] Dormem bem, os dois […] nada nos impede, no entanto, de marcarmos presença, vez por outra […] Trata-se de uma porretada na rotina. Uma visitinha à noite, intempestivamente, possibilita o reencontro com a novidade…”

Quando li a crônica, discordei. Transcrevo opiniões de duas mulheres conhecedoras da natureza humana. A jornalista e escritora MARINA COLASANTI (79 anos), que comenta no livro “A Nova Mulher” (Rio de Janeiro, 1980): “… a solidão a dois é talvez mais terrível, porque inconfessada. Dizer que se está só equivale a dizer ao outro que ele não existe. É a rejeição total do outro. A rejeição e a perda. E quem está só, mesmo a dois, não tem condição de perder mais nada, nem mesmo aquilo que, na verdade, não tem. O casal não se entende; o casal vive apartado embora dormindo numa grande cama de casal; o casal se encontra apenas fortuitamente em campo neutro, terreno das fertilidades. Os amigos do casal comentam: por que não se separaram? E eles mesmos… vezes sem conta se perguntam: por que não me separo? […] … Um dia, ele foi embora. Acabou. A grande paixão saiu da sua vida. Ditas as últimas palavras, esgotadas todas as possibilidades de reconciliação, aí está você, sozinha. E sozinha se debrue que ele não vai telefonar. Não vai aparecer. Perdido o ponto principal de referência, você se sente desnorteada, sem saber com quem viver, conviver, retomar fatos e palavras, contar coisas, ouvir coisas. Sem essa paixão ao redor da qual tudo tinha estruturado. Você acorda de manhã e pensa: Meu Deus, pra que eu fui acordar?” Porém, há de entender que “… os casais imaturos não dialogam, disputam. Mesmo se a aparência é de diálogo, mesmo se ninguém grita com ninguém, mesmo se parecem muito sensatos, estão na verdade de tocaia, um querendo puxar o pé do outro, um querendo demonstrar que o outro quebrou o vaso de flores, começou primeiro, está errado, enfim, não tem razão. O casal imaturo não quer chegar às causas, quer consertar os efeitos. Não está preocupado com o futuro, está ligado somente no presente. E é típica do casal imaturo a preocupação centrada em livrar a própria cara, uma vez de cuidar do sucesso da relação…”

Por outro lado, a atriz e escritora LIV ULLMANN (com 78 anos), no seu livro “Mutações” (Rio de Janeiro, 1978), sentencia: “… nenhum relacionamento entre as pessoas é perfeito. Não há violinos tocando, quando alguém que eu amo me beija. O “happy end” de Hollywood é um produto fabricado, que jamais encontra equivalente na vida real. Um mundo de sonho que é perigoso, porque incita as pessoas a procurarem sempre novidades. Acreditando que, daquela vez, encontraram “a pessoa certa”. […] ‘O que é o amor?’ Será amor o que eu tenho? […] A ternura entre os dois – o fato de terem um ao outro agora. Com uma felicidade simples. Isso é amor. O tipo de amor de que são capazes. O resto é fantasia…”. Pensemos nisso! Por hoje é só.