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Nem “formigas”, nem Robin Hood: sejamos mosqueteiros.

01/07/2016
Nem “formigas”, nem Robin Hood: sejamos mosqueteiros.

Tanto os que se intitulam de esquerda como os de centro ou de direita, no Brasil, se igualam numa coisa: uma vez mergulhados até o pescoço no clube da kleptocracia, os privilegiados se locupletam e se lambuzam com os recursos públicos. Na hora de meter a mão no dinheiro da nação, não há ideologia que fique em pé. Para saquear o país todos se unem (daí estarem nas mesmas celas tanto próceres do lulopetismo como empresários e políticos que se julgam de direita). O vil metal tem o poder de unir forças contrárias.

O grupo de direita aprendeu a contar (e difunde o discurso) que o mundo está dividido entre cigarras (que querem boa vida sem trabalhar) e formigas (as que trabalham). “Nós” somos as formigas. Os “outros” são as cigarras (usurpadores). Nós roubamos ou nos favorecemos politicamente porque merecemos, porque trabalhamos (porque cuidamos dos interesses “de todos”). Até o roubo (que não é visto como tal) é uma compensação ao esforço.

As agremiações kleptocratas que se julgam de esquerda se inspiram em Robin Hood (sobretudo na sua luta contra o sheriff de Nottingham): desviam o dinheiro público, usam e abusam das instituições financeiras e das empresas estatais para encher os bolsos próprios ou do partido, mas particularmente para promover a luta pela emancipação dos fracos e oprimidos.

O feio, o indecente e o condenável, caso ambos os grupos não roubem conjuntamente, é sempre as pilhagens do outro. É o discurso do “eu roubei, mas você roubou muito mais”. Agora que muitos estão implicados na Lava Jato, já estão ensaiando um discurso de que “tudo tem que ter um fim”, “que as investigações já deram o que tinham que dar”, “aonde vai parar tudo isso” etc. Em jogo está a sobrevivência dos políticos e dos partidos. Vê-se que também os quadrilheiros, quando acuados, fazem ou tentam fazer alguma coisa para fugir das consequências dos seus atos.

Para além da responsabilidade penal, muito relevante e oportuna é a ideia de que todos os partidos que surrupiaram dinheiro público têm que pagar altíssimas indenizações. Se só de Eduardo Cunha o Ministério Público está cobrando quase R$ 300 milhões, é de se supor que a conta dos partidos chegue à casa dos bilhões, sem prejuízo do fechamento deles quando comprovado seu estilo de vida criminoso.

Sejamos claros: enquanto não varridas do jogo político as organizações criminosas (compostas de corrompidos e corruptores), não conseguiremos melhorar a qualidade de vida da população nem a nossa democracia (que hoje é uma verdadeira kleptodemocracia, porque os poderosos econômicos “compram” os mandatos dos governantes e legisladores). Não é por acaso que o Brasil ocupa apenas a 51ª posição (dentre 165 países) no item qualidade da democracia (veja pesquisa da revista The Economist).

Na hora de reprovar duramente os parasitas extrativistas que vivem parasitando a nação (independentemente do partido ou da ideologia), não importa se o kleptocrata saqueou o dinheiro público para ganho pessoal ou empresarial ou para arrecadação do partido em defesa das classes desfavorecidas. Não há mártir, não há soberba, não há desprendimento que se conte nessa hora.

O descalabro da kleptocracia brasileira, que é suprapartidária, atingiu o nível máximo da aberração moral. Sua nota, portanto, é diametralmente oposta e proporcional à que as agências de risco andam concedendo ao empobrecido e “pouco confiável” Brasil (segundo tais agências).

Tanto a tese da corrupção “benigna” (Robin Hood: tira de todos para dar para os pobres) quanto a defesa de que a Lava Jata tem que chegar ao fim para se garantir a governabilidade (antes mesmo de descobrir toda a verdade, que é o mínimo que o país está esperando) é absolutamente inaceitável. Os fins não podem justificam os meios (ilícitos e deploráveis).
Se o saqueamento do dinheiro público faz o elo de união entre os poucos que roubam (elites/oligarquias políticas e econômicas que somam digamos 1%), a indignação e a necessária mobilização coletiva constitui o ponto de confluência e de insurgência da sociedade civil, a quem compete dar continuidade (no campo político) à microrrevolução da Lava Jato (exigindo agora um plebiscito de reforma política). Se os barões ladrões se julgam “formigas” ou “Robin Hood”, é hora de todos nós assumirmos o espírito dos mosqueteiros (juntos podemos mudar muita coisa).

Nem sequer em nome dos pobres se justifica extorquir e sugar o dinheiro público (posto que sempre são os pobres ou necessitados – veja o tema dos créditos consignados – os mais prejudicados pela picaretagem kleptocrata). Não podemos ser adeptos da teoria da cegueira deliberada, porque não há como não ver que todos (pobres e ricos) estão pagando as contas das castas e elites (do 1%) que sequestraram o Estado brasileiro em benefício delas, prejudicando a grande maioria (os 99%). Em síntese, “em nome do povo” não se pode roubar. Em nome da governabilidade não se pode parar a Lava Jato. Não podemos concordar com essas imoralidades.