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Polícia mexicana tortura sexualmente mulheres para obter confissões, diz Anistia

30/06/2016
Polícia mexicana tortura sexualmente mulheres para obter confissões, diz Anistia
Algumas das formas de violência infligidas às mulheres consistem em fortes golpes no estômago, na cabeça e nos ouvidos, ameaças de estupro contra elas e familiares, entre outras atrocidades. (Foto: Reprodução/Internet)

Algumas das formas de violência infligidas às mulheres consistem em fortes golpes no estômago, na cabeça e nos ouvidos, ameaças de estupro contra elas e familiares, entre outras atrocidades. (Foto: Reprodução/Internet)

A Polícia e as Forças Armadas mexicanas com frequência submetem mulheres a diversos atos de tortura e outros maus-tratos com a finalidade de obter a confissão de um crime e assim elevar as cifras de detidos, como parte da estratégia de segurança adotada pelo Governo, revela um estudo realizado pela Anistia Internacional. A entidade entrevistou cem mulheres em diversas prisões do país, das quais 72 afirmaram terem sofrido atos de violência sexual no momento da prisão ou nas horas seguintes, enquanto 33 disseram terem sido estupradas.

A investigação revela que, como parte da denominada guerra contra o narcotráfico, é frequente que as mulheres sejam retidas durante prisões em grupo e acusadas de serem namoradas de criminosos e cúmplices de delitos, sem que existam provas sólidas que respaldem essas acusações. A maioria das detenções foi obra da Polícia Federal, seguida pela Polícia Estadual, o Exército e a Marinha. Em 33% dos casos as mulheres foram acusadas de formar parte de grupos do crime organizado, em 23%, de delitos do narcotráfico, em 22%, de sequestro e em 14%, de posse ilegal de armas de fogo.

O documento intitulado Sobreviver à morte, tortura de mulheres por policiais e as forças Armadas no México destaca que algumas das formas de violência infligidas às mulheres consistem em fortes golpes no estômago, na cabeça e nos ouvidos, ameaças de estupro contra elas e familiares, semiasfixia, descargas elétricas nos genitais, manuseio dos peitos e beliscões nos bicos dos seios, violação com objetos, com os dedos, com armas de fogo e com o pênis. “Durante as entrevistas descreviam algum tipo de assédio sexual ou abuso psicológico, incluindo ameaças e insultos misóginos e de teor sexual”, acrescenta o relatório.

As mulheres se tornaram um alvo fácil para as autoridades, explicou Erika Guevara-Rosas, diretora da Anistia Internacional para as Américas. Muitas das presas procedem de periferias marginalizadas, não possuem um companheiro e têm baixos níveis de escolaridade, o que as torna mais vulneráveis. “Os casos dessas mulheres traçam um quadro absolutamente escandaloso que reflete o nível de tortura sofrida pelas mulheres no México, inclusive para o que é comum na região. A violência sexual usada como tortura parece ter se convertido em parte habitual dos interrogatórios”, afirmou.

A brutalidade policial

Em fevereiro de 2014 vários policiais federais chegaram à casa de Tailyn e a levaram sem uma ordem de prisão a uma dependência ministerial. Durante horas a mulher foi submetida a forte espancamento e abusos sexuais, que lhe provocaram um aborto nos gabinetes do Ministério Público mexicano, na Cidade do México, onde estava retida. Estava grávida de sete semanas. Dois médicos a examinaram e se limitaram a lhe entregar pedaços de toalha de papel para que os colocasse dentro da roupa íntima. Não lhe deram remédios para a dor nem registraram por escrito o espancamento a que havia sido submetida.

Tailyn foi transferida em avião à cidade de Tepic, em Nayarit (noroeste do México), a uma prisão federal. Quando se levantou do assento, havia uma imensa poça de sangue, mas ninguém lhe prestou atendimento. Assim que chegou ao presídio disse aos agentes penitenciários que havia sofrido um aborto. Eles lhe responderam com gritos. Uns quatro dias depois lhe informaram que estava sendo acusada de fazer parte de um bando de sequestradores e haviam sido apresentadas contra elas acusações de crime organizado. Apesar de ter denunciado a tortura há mais de dois anos, ainda está à espera de ser examinada por um médico legista oficial.

Segundo dados da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e de órgãos locais, em 2013 foram apresentadas mais de 12.000 denúncias de tortura e outros maus-tratos em todo o país –30% das possíveis vítimas eram mulheres. Entre 2013 e 2014 houve o dobro de queixas por tortura na Procuradora-Geral da República (PGR, Ministério Público) no México, mas só foi aberto um número limitado de investigações.

A PGR registrou em 2014 o recebimento de 2.403 denúncias penais por torturas, mas não pôde informar a Anistia Internacional sobre nenhuma acusação criminal que tivesse sido apresentada nesses casos. Antes de 2014 pelo menos cinco pessoas eram acusadas por ano. Além disso, desde 1991 apenas quinze pessoas receberam sentença condenatória por esse delito.

Apesar de um número elevado de mulheres ter denunciado violência sexual por parte de membros das Forças Armadas, nem um só integrante do Exército mexicano foi suspenso do serviço por estupro ou abuso sexual entre 2010 e 2015. Na Marinha, só quatro pessoas foram suspensas no mesmo período. “Não realizar investigações adequadas nem levar os responsáveis perante a Justiça transmite a perigosa mensagem de que estuprar as mulheres ou utilizar outras formas de violência sexual para obter confissões é admissível”, afirmou Guevara-Rosas.

Durante a investigação da Anistia Internacional, as autoridades mexicanas negaram acesso a informações cruciais, denunciou a entidade. A secretaria de Governo impediu à delegação o acesso a um grande número de mulheres sob custódia e em algumas ocasiões negou a entrada em uma unidade penitenciária. Representantes do Exército e da Marinha rejeitaram os pedidos de reuniões sobre a questão.

“Custa crer no afã com que o México encobre sua crise nacional. Em lugar de tentar abafar milhares de casos de tortura e outros maus-tratos, as autoridades deveriam voltar suas energias para garantir a erradicação definitiva da tortura, assegurando o julgamento dos responsáveis e reparações adequadas às vítimas”, afirmou a diretora para as Américas.