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Poesia em madeira: Mestre Pedrocas, o homem que transforma troncos doentes em arte

11/03/2016
Poesia em madeira: Mestre Pedrocas, o homem que transforma troncos doentes em arte
Mestre Pedrocas: na sua arte, tronco de árvore mesmo doente vira representação de qualquer figura, aliando arte e sustentabilidade (Foto: André Palmeira)

Mestre Pedrocas: na sua arte, tronco de árvore mesmo doente vira representação de qualquer figura, aliando arte e sustentabilidade (Foto: André Palmeira)

“A poesia da madeira é o palácio em festa, com troncos, raízes, galhos, expressando com modéstia, lapidadas com efeito, interpretadas sem aresta”. Esta é a estrofe de um poema escrito por Pedro Cassiano, conhecido como Mestre Pedrocas. Um artesão alagoano capaz de transformar um tronco de árvore na representação de qualquer figura, aliando arte e sustentabilidade.

Ele nunca comprou madeira para esculpir suas peças, quase sempre aproveita a queda de uma árvore doente. O artesanato surgiu em sua vida quando acompanhava a mãe ainda novo. A matriarca trabalhava com a produção de cerâmica, o material maleável, que logo tomava forma, encantou o menino de apenas oito anos.

 “Um dia minha mãe foi para casa de uma amiga que trabalhava com a louça. Ela queria aprender mais algumas técnicas. Quando cheguei lá e vi aqueles trabalhos, me emocionei. Não parecia ser barro, parecia ser borracha. Peguei logo um pedacinho de barro. Enquanto elas conversavam e preparavam, eu ficava observando. Aquilo ficou dentro de mim”, relata.

A partir daquele momento, passou a usar batata doce e macaxeira para treinar esculturas. As raízes, encontradas em abundância, se tornaram a porta de entrada para projetos maiores. Aos 14 anos, o artesão, natural de Viçosa, Zona da Mata alagoana, iniciou a produção e venda de coronha para espingardas. “Fazia bem ajustada, não passava água e a turma gostava”, garante.

Hoje a calmaria na fala do senhor de 72 anos não entrega a agitação de quando era jovem. Veio para Maceió servir ao Exército e a família também migrou para a capital. Depois de um tempo, foi para São Paulo, onde trabalhou na carpintaria de um colégio e pretendia iniciar a faculdade de teologia, porém a mulher adoeceu e voltou para Alagoas, mais precisamente Arapiraca.

Encontro com a perfeição

Na cidade do Agreste, conheceu um cidadão que o incentivou a produzir as peças em madeira. A perfeição das esculturas o fez conhecido no município, surgiram diversos convites para dar aulas. Neste período, conciliou a educação com sua arte, nunca deixou as criações de lado. Após o longo tempo, vendeu um imóvel e se mudou para o Pará.

“Fui para o Pará porque lá tinha madeira para eu cortar. Quando cheguei lá, vi que as árvores eram tão grandes que não davam para mim, precisava de maquinário, transporte. A dificuldade lá era maior que aqui. Eu vendi o terreno e voltei para Alagoas. Empreguei todo dinheiro em um esquema de pirâmide e perdi tudo, fiquei sem casa, sem terreno, sem nada”, conta.

Após as perdas, teve que ir trabalhar em uma oficina, entalhando e produzindo móveis. Assim, conseguiu se reerguer e voltar para a atividade predileta, o artesanato. Mais uma vez, resolveu trilhar o caminho da mudança, agora para um lugar já conhecido e onde permanece próximo até os dias atuais: Maceió.

 Patrimônio Vivo

Mesmo passando por grandes dificuldades, Pedrocas nunca pensou em desistir. A recompensa veio em 2013: foi reconhecido como Patrimônio Vivo de Alagoas. “Não esperava isso, mas fui contemplado, devo muito ao Governo de Alagoas. Agora estou tranquilo. O Patrimônio Vivo me sustenta até a morte. Depois vai tudo pro museu”, explica.

A relação do mestre com o artesanato é bastante estreita, uma atividade inerente à personalidade dele. O ofício exercido por toda uma vida trouxe grandes realizações, não só no campo profissional, nem financeiro, vai além dos bens materiais, incorpora sentimentos como a solidariedade e a empatia, levando a preocupação com o próximo.

“O artesanato sempre foi a alavanca que me sustentou, criei meus filhos, todos fizeram faculdade. Traz satisfação, prazer, nos qualifica como pessoa que pode ajudar aos outros ensinando o ofício. Eu sempre olho muito isso. Você tá dando uma aula, tá ajudando o indivíduo, você tá dando um emprego a ele, uma profissão e eu sou realizado em passar a herança”, completa.

Vender x ceder

Pedrocas faz as peças com muito carinho e se apega aos resultados. Ele se orgulha de nunca ter feito nenhum remendo, tudo é produzido de forma única e pessoal, a exemplo da escultura em homenagem ao casamento. Cada detalhe representa uma etapa do processo, levando a uma união duradoura. O objeto representa as bodas de ouro – 50 anos de casamento -, feito que será alcançado pelo artesão e sua esposa em três anos.

A paixão por representações culturais e a história por trás de cada talho e hora trabalhada leva o artesão a não querer comercializar as peças. Na verdade, ele nem gosta de usar a palavra “venda”. Na verdade, considera uma cessão para outro apaixonado por seu produto. Nesse processo, há uma parceria entre o criador e o receptor.

“Se pudesse, não venderia nenhuma peça, porque faço para mim. Quando vendo fico satisfeito porque o indivíduo que compra vai cuidar tão quanto o que faz. É uma troca. Nem sempre a peça é valorizada na mão do profissional, quem valoriza é aquele que se apaixona por ela. Não é um comércio, é ceder para alguém que se apaixonou como você, você se apaixonou fazendo, ele se apaixonou namorando a peça”, enfatiza.

Sobre as perspectivas, o mestre pretende concluir a obra do ateliê dentro de um espaço disponibilizado pelo irmão. Antes trabalhava ao lado da casa onde mora, no município de Rio Largo, região metropolitana. Além disso, a pretensão maior envolve transmitir o conhecimento para novas gerações. “O que espero daqui para frente é crescer mais, expandir, quero implantar uma oficina para as quatro faixas etárias, uma escolinha”, conclui.

Semana do Artesão

Para valorizar, fomentar e reconhecer esse trabalho, o Governo de Alagoas vai realizar, de 17 a 22 de março, no Memorial à República, uma semana de atividades alusivas ao Dia do Artesão.

 Durante a semana, a população poderá visitar a exposição das peças com as principais tipologias do artesanato alagoano, no hall principal do Memorial, em Jaraguá, das 9h às 20h. Ainda nas atividades, serão realizadas palestras, oficinas criativas e a comercialização do artesanato no caminhão-loja da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur).

Os visitantes terão, ainda, a estrutura de uma praça com os foodtrucks, no estacionamento da Praça Marcílio Dias.

A programação completa pode ser conferida no site da Sedetur, sedetur.al.gov.br.

Mestre Pedrocas: na sua arte, tronco de árvore mesmo doente vira representação de qualquer figura, aliando arte e sustentabilidade