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No escurinho do cinema

14/02/2016
No escurinho do cinema

Nos anos 60 havia cinema em diversos bairros de Maceió. Cine Rex na Pajuçara, bairro da classe média alta, casas dos aristocratas do açúcar, deputados, senadores, praia onde o mar beija as areias com mais alma e mais amor, como diria o poeta Aldemar Paiva. O cine Plaza, da família Voss, ficava no bairro do Poço, fui frequentador assíduo. O Lux na Ponta Grossa fazia a alegria da juventude com filmes de aventuras. O cine Ideal na Levada passava grandes séries de cowboys. Nos anos 80 foi transformado em cinema pornô.

Certa feita fui jurado em um concurso literário. Fiquei impressionado com uma crônica bem escrita por um cidadão de Maragogi. Ele confessava detalhes de sua vida homossexual, quando sentia vontade, quando dava comichão no rabo, entrava na matinê do Ideal com o filme iniciado. Não demorava, alguém encostava se oferecendo como parceiro, em pé encostado à parede satisfaziam-se, ativa ou passivamente. Na crônica ele chegava a pormenores impressionantes, até chocantes. Uma outra jurada, professora, socióloga da Universidade, arquivou aquela crônica, documento para estudos de comportamentos sexuais. É bom esclarecer aos apressadinhos meninos do arco-íris, o cine Ideal fechou suas portas há algum tempo.

Cinearte, o cinema mais chique no centro da cidade passou a ser chamado São Luiz quando foi comprado por Luiz Severiano Ribeiro, o maior empresário de cinema do Brasil. Foi a época do cinemascope e tecnicolor, o auge dos filmes americanos deslumbrantes, “Suplício de Uma Saudade”, “Tarde Demais para Esquecer”, “Juventude Transviada”, entre outros. No início de uma paquera, o jovem marcava encontro no São Luiz, pedindo para moça guardar o lugar. Ao iniciar o filme, no escurinho do cinema, ele sentava-se ao lado. Às vezes, pegava na mão, era a glória pegar na mão no primeiro dia de namoro. Quando se tratava de jovem mais avançada em seu tempo, marcava encontro nas cadeiras nos fundos, mais discreto para beijo na boca, ou outras carícias mais íntimas. Depois nos gabávamos aos amigos, o grande feito, maior “sabão” com fulana no São Luiz.

As matinês do São Luiz eram muito frequentadas, a juventude de Maceió se juntava para brincadeiras e gaiatices. Certa feita no filme “Sansão e Dalila”, numa cena, Dalila caminhava numa estrada, a câmara focalizava Dalila andando de costas. De repente ela pára, vira a cabeça, olha para trás, com a mão direita dá adeus a Sansão.

Becker, figura das mais conhecidas da cidade, ficou para assistir outra seção do filme. Quando apareceu a cena de Dalila caminhando, Becker deu um grito choroso, “Tchau Dalila!!!”. Nesse momento, na tela, Dalila parou, olhou para trás, deu adeus. O cinema veio a baixo, às gargalhadas. Outra vez durante um filme de terror, maior tensão, todos entretidos no filme, Becker sentado no balcão jogou de cima uma galinha viva. A galinha caiu batendo asas, co-có-ró-cando, um susto apavorante na platéia. Parou o filme, tentaram inutilmente descobrir o autor da brincadeira, o cínico do Becker também reclamava, os clientes do cinema pediam para continuar o filme, Becker foi salvo, era sempre suspeito.

Um rapaz de uma das famílias mais distintas de Maceió nasceu com problema, tinha idade mental de cinco anos. Pedro vivia perambulando pela Rua do Comércio, todos gostavam de Pedro. Ele assistia, revia várias vezes os filmes no São Luiz. O gerente compadeceu dos gastos com cinema de Rafael, propôs ele ser fiscal. Sua missão era, proibir algazarra, proibir fumar. Ninguém podia se masturbar, beijar podia. O rapaz memorizava: “Não pode fumá, não pode guitá, não pode matubá!”

Rafael até que ajudou, quando percebia um cigarro aceso, aproximava-se, “Cigarro não! poibido, poibido”. Ele ficava louco porque não podia identificar os meninos gritando nas matinês. Certa vez, Rafael encostado com a barriga na mureta notou um casal suspeito nas últimas cadeiras. Andou de ponta de pés até constatar a cena, a namorada segurava alguma coisa por dentro da braguilha do namorado. Rafa não deu tempo, nem advertiu, emocionado com o primeiro flagrante, gritou:

– “Ela tá matubando ele! Tá matubando. Não pode, não pode.”

O cinema veio abaixo numa só vaia. O casal de jovens saiu apressado pedindo licença entre as cadeiras. Por azar a moça foi identificada pela cruel juventude da Rua do Comércio. Por muito tempo ficou conhecida como “Mãozinha de Ouro”.

Mais de 50 anos depois, semana passada, na fila de idosos do banco, a reconheci. Coroa enxuta, bonita, sarada. Lembrei-me da história do escurinho do cinema, conservou nossa amiga.