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Nêga Odete

25/10/2015
Nêga Odete

                                                                                                     (Aos 200 anos de Maceió)

                Ao entardecer do dia 20 de dezembro de 1928 dentro de uma casa de porta e janela na Rua São Luiz no Farol, ouviu-se um choro, avisava ao mundo o nascimento de Odete Augusto dos Martírios, a negra mais bonita e charmosa que perambulou por Maceió no século XX.

                 De mãe pobre e pai fujão, foi criada pela avó no bairro da Levada.  Cresceu uma menina alegre, cativante. Tinha o carinho da avó, e as ruas, as praças, a lagoa Mundaú para brincar, pescar e catar sururu. Criou-se livre, sem estudar, correndo e percorrendo toda biboca da cidade.

                Tornou-se uma moça bonita, rosto oval, cabelos negros, olhos penetrante, corpo roliço, bem moldado, curvas bem delineadas na cintura e nos quadris, pele macia, sedosa como jamais alguém possuiu. Ao andar em rebolado natural, cadenciado, como se flutuasse, provocava desejo nos homens.

              Ainda não havia completado 15 anos quando Floro, um belo rapaz, acadêmico de direito, morador da Rua Pedro Monteiro, filho de rico comerciante, ficou encantado com a negra bonita, foi em seu encalço. Cantou Odete por mais de um mês, fez promessa de amor, carinho e agrado. Numa noite de lua seus corpos uniram-se embaixo de uma jaqueira no morro do Tom Mix pelas bandas da praia do Sobral. Floro deflorou Odete. A negra gritava, uma selvagem, tinha doído, tinha gostado. Em casa, sua avó percebeu o sangue, esbravejou com a neta, não era mais moça, perdeu a honra, não queria quenga em casa, reclamou da vida de pobre.

          Durante a noite Odete chorou e lembrou os momentos de carinho, sentiu novamente a sensação de seu corpo penetrado. Tomou uma decisão, trabalhar, ser independente. Como uma analfabeta podia arranjar emprego?

           Informaram-lhe de uma família precisando empregada doméstica. Odete bateu na casa na Praça Sinimbu. Foi atendida pela dona, gostou da moça negra, simpática, carne firme, disposta no trabalho. Ensinou-lhe a cozinhar. A menina aprendeu rápido, tornou-se exímia cozinheira. Odete fez parte dessa família por muitos anos.

              Sentia-se independente com o pequeno salário. Tinha um quarto na casa, comida, era livre, sozinha, podia fazer o que bem quisesse. Ao anoitecer, depois do dia de trabalho, cheirosa, dentro de um vestido de chita, saía em busca de diversão, fazer o que mais gostava, amor. Os homens se encantavam, quem passou pelos seu braços e abraços nunca esqueceu. Odete selecionava parceiros, gostava de homem novo e bonito. Estudantes ficavam a espreita às sete da noite na Praça, esperando ser o da vez.

                  A história da beleza da negra de belo sorriso foi se espalhando na cidade, muitos homens desejaram Odete, muitos foram rejeitados. Ela adorava dançar nas boates de Jaraguá, rodopiar ao som dos conjuntos tocando os boleros da época, recusava ir ao quarto, não aceitava pagamento por amor, a zona era o único local onde uma empregada, negra, analfabeta dançava no salão.

             Por ser livre e independente, Odete foi difamada como prostituta. Ela jamais aceitou um centavo de algum homem. Viveu solteira pelo resto da vida. Tinha dignidade. Naquela época no Rio de janeiro, Leila Diniz, atriz global, branca, rica, dedicou-se aos homens, foi aclamada musa de Ipanema. Odete, pobre, negra, também dedicou-se aos homens, foi detratada, injustiçada.

                   Morreu ano passado, morava de favor em um quartinho perto da Praça da Faculdade, sozinha, como sempre viveu. Apesar das sequelas da idade, percebia-se uma auréola de alegria e felicidade. Essa é a história da Nêga Odete, mito e fantasia dos homens nos anos 50/60 na cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, nossa bela Maceió.