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Luiz Pedro é condenado a 26 anos por homicídio, sequestro e quadrilha

24/09/2015
Luiz Pedro é condenado a 26 anos por homicídio, sequestro e quadrilha
“Eu tinha certeza absoluta que, apesar do tempo, esse dia iria chegar", desabafou pai da vítima Foto: Maria Alliny Torres/CadaMinuto

“Eu tinha certeza absoluta que, apesar do tempo, esse dia iria chegar”, desabafou pai da vítima
Foto: Maria Alliny Torres/CadaMinuto

     Ex-cabo da Polícia Militar, ex-delegado da Polícia Civil, ex-deputado estadual por Alagoas e ex-vereador por Maceió em 5 mandatos. Mas além de tudo isso, o Conselho de Sentença do 2º Tribunal do Júri de Maceió se convenceu de que Luiz Pedro da Silva também foi o mandante do assassinato do servente de pedreiro Carlos Roberto Rocha Santos e, portanto, deve pagar.

      O juiz Jonh Silas da Silva, titular da 8ª Vara Criminal da Maceió e presidente do Júri, fixou a pena em 26 anos e 5 meses, em sentença lida às 17h15min desta quarta-feira (24). A pena inclui 21 anos e 10 meses por homicídio qualificado, 2 anos e 4 meses por sequestro e 2 anos e 3 meses por formação de quadrilha. Foi dado ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade, com a concordância do Ministério Público Estadual (MP).

     “O acusado tinha o controle de toda a situação, e tendo construído conjuntos para os carentes, deles também se prevalecia. O acusado, detentor de mandato legislativo, achou por bem passar de representante do povo, a algoz da vida de um pobre coitado, morador de um casebre, indefeso, sem notícia de ter cometido algum tipo de crime”, disse o magistrado Jonh Silas, na sentença.

      Os jurados acolheram a tese do MP. O servente foi sequestrado de sua casa e executado, a tiros, no dia 12 de agosto de 2004, por homens conhecidos por trabalhar para o então deputado Luiz Pedro da Silva. Seu corpo foi posteriormente extraviado do Instituto Médico Legal, enterrado com indigente, e por fim retirado de lá, não tendo nunca sido encontrado.

      Segundo o promotor Carlos Davi Lopes, “todos os executores trabalhavam para o deputado Luiz Pedro, em serviços eleitorais, em suas fundações ou como vigilante. Todos eles tinham uma ligação direta”.

      Luiz Pedro comandava um grupo de extermínio com atuação em seus conjuntos habitacionais, de acordo com a acusação, e não aceitava “viciados” em drogas, o que foi o motivo principal do homicídio, já que Roberto, o Beto, era usuário ocasional de maconha.

      Foram destacados diversos depoimentos que indicavam a autoria de Luiz Pedro. Algumas testemunhas relataram que um amigo de Roberto com acesso aos criminosos avisou à vítima de que ele seria “o próximo” a morrer, por ordem do deputado.

      “Os senhores acham que esses quatro executores, semianalfabetos, teriam conseguido tirar o corpo do IML? É lógico que não. É óbvio que teve a participação de alguém com poder no Estado”, disse Carlos Davi.

      A acusação comparou a atuação de Luiz Pedro nos conjuntos que constrói nas periferias de Maceió à forma como o famoso traficante colombiano Pablo Escobar agia na comunidade de Medellín.

      “Ele dava tudo, feira, comida, salários, água de graça, mas todos tinham que rezar na cartilha do Pablo Escobar. As pessoas não tinham a liberdade”, disse João Uchôa, advogado da família da vítima, que assistiu o Ministério Público.

     Uchôa também colocou em dúvida a origem do patrimônio de Luiz Pedro e dos recursos com os quais os conjuntos são mantidos. “É a primeira pessoa que conheço que enriqueceu cobrando R$ 30 de água”, ironizou, em referência à explicação do réu.

     Defesa

      O advogado José Fragoso sustentou que a imagem criada para Luiz Pedro pelo Ministério Público e pela imprensa seria “mítica”. Fragoso defendeu que o réu “sempre esteve do lado do bem” e foi preso em outras ocasiões devido a interesses políticos, citando inclusive o fato de Luiz Pedro não ter apoiado a reeleição do governador Teotônio Vilela, em 2010.

      Segundo a defesa, a motivação do crime seria um desentendimento pessoal com Rogério de Menezes, que é réu não localizado, acusado de executar o homicídio. A esposa da vítima afirmou em depoimento que Beto impediu Rogério de tomar de si uma cerveja.

      Rogério era presidente da associação de moradores do conjunto em que a vítima morava e, para a defesa, Luiz Pedro não exercia influência naquela região. José Fragoso ressaltou “invejável obra social” do réu. Destacou testemunhos de residentes dos conjuntos, que relataram as benfeitorias feitas por ele nos conjuntos e todos os auxílios que presta à população.

      O ex-deputado mantém inclusive um centro de recuperação para drogados, de acordo com a defesa. “Eventualmente Luiz Pedro pode ter desagradado a alguns, mas não com crimes ou ameaças”, disse Fragoso. “Quem não conhece Luiz Pedro pode até jogar pedras nele, mas quem o conhece vem hipotecar sua solidariedade”.

      A defesa ainda exibiu depoimentos em vídeos do ex-prefeito de Maceió, Cícero Almeida, e do atual prefeito, Rui Palmeira, que fizeram, em entrevistas, comentários elogiosos ao réu.

     Testemunhas da acusação

     No primeiro dia de julgamento, foram ouvidas as testemunhas e o réu. Alessandra Cristiana da Silva, a esposa, foi ouvida por videoconferência, porque saiu de Maceió após sofrer ameaças. Ela, que estava grávida na época do crime, afirma que Beto não tinha inimizades, a não ser com duas pessoas ligadas a Luiz Pedro.

     Além do incidente da cerveja, Carlos Roberto teria se recusado a ser revistado por um segurança do réu, de nome Walter Paulo. “Você não é polícia, é chumbeta de Luiz Pedro”, teria dito a vítima.

     Alessandra disse ter convicção de que Luiz Pedro foi o mandante do crime. Estava com Beto na hora do sequestro e reconheceu dois dos agora condenados, Adézio Rodrigues e Laércio Pereira. Ela fez um apelo aos jurados.

     “Eu venho me arrastando há 11 anos. Eu não vi as minhas filhas crescerem. Pelo amor de Deus, chegou a hora de fazer justiça, chega de impunidade”, afirmou, ao explicar que vive sob constante medo desde o assassinato. Alessandra chegou a ser inserida no Programa de Proteção à Testemunha, mas o Estado entendeu posteriormente que não havia mais necessidade.

     Pai da vítima

     Para Sebastião Pereira dos Santos, pai da vítima, “o pessoal de Luiz Pedro” é temido pela comunidade, age como polícia e tem a certeza da impunidade. Ele afirmou que o ex-cabo chegou visitá-lo após o crime, para sondar o quanto Sebastião sabia sobre o homicídio.

     “Minha vida desmoronou por completo. Perdi a minha liberdade. Não posso sair para onde quero. Vivo muito preocupado com meus filhos. Além de ter perdido o meu filho, perdi a minha esposa, que não suportou o sofrimento e entrou em depressão. Minha filha está desempregada, desistiu de estudar, com medo do bando do senhor Luiz Pedro”, relatou, em juízo.

     Segundo as testemunhas, outro possível motivo atribuído para o crime é o fato de a vítima ser usuária ocasional de maconha, o que não é admitido por Luiz Pedro nos conjuntos em que tem controle.

     “Era um jovem excelente, que tinha os seus vícios, mas que respeitava todo mundo e não criava problemas”. “Nas terras onde o Luiz Pedro ‘toma’ e faz conjunto, os capangas dele podem usar droga, mas os moradores não”, disse Josenildo Vieira, então vizinho da vítima.

     Testemunhas da defesa

     A testemunha Walter Paulo afirmou que nunca teve nenhum desentendimento com Roberto. Asseverou que o ex-policial foi informado sobre o crime pelos próprios executores, momento em que se irritou e disse que não mandou que fizessem isso.

     De acordo com Walter, Luiz Pedro não é temido pelas comunidades dos conjuntos, mas sim querido, por ajudar as pessoas a construir casas e doar coisas como botijões de gás, alimentos e dinheiro.

     A testemunha Laércio Pereira de Barros, que foi condenado a 25 anos de reclusão pelo crime, reafirmou que é mesmo um dos executores do homicídio. Mas a morte teria sido planejada por Rogério de Menezes, em conjunto com o dono de um mercadinho. Os outros condenados – Adézio Rodrigues Nogueira, Naelson Osmar Vasconcelos de Melo e Leone Lima – não teriam relação com o crime, segundo essa versão.

     Luiz Pedro

     O réu corroborou a versão de Laércio. Os executores, segundo soube, foram homens identificados como Genivaldo Ferreira (“Godzilla”), Márcio, Marinho e Laércio. Luiz Pedro disse que não conhecia Roberto, nem nunca o viu.

     Ele alegou que foi à casa de Sebastião para oferecer a oportunidade de que o pai da vítima fizesse o reconhecimento, entre seus funcionários, dos supostos assassinos. O então deputado também teria procurado o delegado da região para que o crime fosse devidamente investigado.

     Luiz Pedro assegurou que não cuida da segurança dos conjuntos, trabalho que ele reconhece ser da polícia. Também garantiu que é, documentadamente, dono de todos os terrenos onde foram construídos os 6 conjuntos que levam seu nome, além do que ainda está sendo construído. Ele afirma que comprou algumas áreas e outras recebeu por doação.

     Segundo o réu, os conjuntos são mantidos com uma contribuição de R$ 30 cobrada para o fornecimento de água, feito de forma independente da Companhia de Abastecimento de Alagoas (Casal). Os complexos habitacionais contam com quadras esportivas, postos de saúde e escolas, tudo construído com recursos de Luiz Pedro e mesmo mantidos por ele, em alguns casos, conforme relatou.

     “Esses comentários de que eu ando mandando matar… matar o quê? Um homem que vive construindo, como eu… Já construí 8200 casas e estou construindo mais 1200. Pode perguntar a esse povão todo aí, pra ver se sai uma vírgula”, disse o acusado, apontando para as dezenas de apoiadores que assistiam ao julgamento, uniformizados.

     “Eu não sou santo. Fui delegado linha dura. Ia buscar traficante e estuprador onde estivesse”, ponderou Luiz Pedro. “E levava pra onde?”, indagou o magistrado Jonh Silas. “Prendia. Levava pra cadeia”.