Cidades

Aos 126 anos, o que Palmeira deseja ser?

20/08/2015
Aos 126 anos, o que Palmeira deseja ser?
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José Adelson Lopes

A História de Palmeira dos Índios, cidade do interior de Alagoas que neste dia 20 de agosto completa 126 anos, é marcada por disputas pela posse das terras habitadas por índios Xucuru-Kariri e pela população envolvente. A literatura sobre a fundação da localidade é escassa e se encontra em poucos acervos preservados por particulares, no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, em documentos cartoriais e paroquiais na referida cidade.

As terras, atualmente ocupadas pelo município de Palmeira dos Índios, formavam, inicialmente, um aldeamento dos índios Xucuru, que ali se estabeleceram no fim da primeira metade do século XVII.

De acordo com o antropólogo e historiador José Adelson Lopes, o território era formado de matas nas serras e palmeiras na região do vale. “O nome do município veio em apologia aos seus primeiros habitantes e a abundância de palmeiras em seus campos. Segundo o escritor Luiz Torres, os nativos formaram seu aldeamento entre um brejo chamado Cafurna e a Serra da Boa Vista”, explicou.

A vila de Palmeira dos Índios foi criada em 1835, através da resolução Nº 10 de 10 de abril, assinada pelo presidente da Província, José Joaquim Machado. “O fato atendia aos anseios dos moradores que acreditavam num florescimento em curto prazo.

Mas não previam que esse passo rumo à liberdade política do povoado traria uma série de disputas pelo poder e pela posse territorial, rompendo com as bases da cultura fundante do lugar, que passaria a condição de figurante no processo que se iniciou a partir então”, explicou o historiador.

A data exata da criação da freguesia não é conhecida. “Segundo Espíndola, foi em 1798. Outros autores, como Ivan Barros, Luiz Torres e Brandão enfatizam o ano de 1789, o que indica haver entre eles uma troca nos dois últimos algarismos”, ressaltou Adelson Lopes.

Apesar da criação da vila pela resolução nº 10, de 10 de abril de 1835, desmembrada da vila de Atalaia, sua instalação só se tornou válida depois da Resolução nº 27, de 12 de março de 1838 e esta foi suprimida pela Lei nº 43, de 23 de junho de 1853 e elevada à categoria de cidade pela Lei nº 1113, de 20 de agosto de 1889.

Seu termo fazia parte, desde a criação, da comarca de Atalaia, passando, em 1838, para a de Anadia. Em 1872, pela Lei nº 624, de 16 de março, foi criada à sua comarca com o seu termo.

“Segundo Clóvis Antunes, (1965, p 11) em 1770 chegou à região frei Domingos de São José, com o objetivo de converter os índios ao cristianismo. Posteriormente, em 1773, o franciscano obteve de D. Maria Pereira Gonçalves, herdeira da Sesmaria de Burgos, e dos seus herdeiros, a doação de meia légua de terra para patrimônio da capela que aí foi construída, sendo consagrada ao Senhor Bom Jesus da Morte. A escritura foi lavrada pelo tabelião Manoel Pereira da Rocha, em 27 de junho de 1773 ,no cartório da comarca de Garanhuns”, explicou o historiador.

Conforme descrito no texto da escritura, a doação foi feita para frei Domingos de São José, para que este desenvolvesse o trabalho missionário de catequese indígena e a edificação de uma capela. Com o processo de catequese em desenvolvimento, foi construída uma segunda capela na parte mais alta da planície, no sopé da serra, com o intuito de fazer desenvolver uma povoação naquele local. O padroeiro da capela do alto, Bom Jesus da Boa Morte, foi substituído por Nossa Senhora do Amparo e um padre foi nomeado para dirigir os trabalhos na nova igreja, o Padre João Morato Rosas.

“A criação da igreja e o estabelecimento do padre na região foram elementos propulsores para um considerável fluxo de pessoas no vale, entre elas alguns comerciantes e tropeiros, que foram lentamente estabelecendo residência no entorno da capela, criando, desse modo, um pequeno aglomerado populacional de não índios no sopé da serra, enquanto que a parte mais alta do território era habitada pelo povo Xucuru-Kariri”, analisou o professor Adelson.

Processo de exclusão do povo indígena se deu ao longo dos tempos, diz Adelson Lopes

À medida que o povoado crescia, os comerciantes iam se estabelecendo e trazendo suas famílias. Enquanto os índios assistiam esse estabelecimento do “progresso”, algumas cercas começavam a ser erguidas, delimitando posses, cercando nascentes d’água, e criando a privatização de um espaço que o índio estava habituado a usar livremente. Nos anos seguintes, os limites foram ficando mais sólidos e o índio já não mais podia andar pelo território que lhe pertencera.

“Nesse aspecto, Ivan Barros (1969) é enfático quando afirma que o índio foi expropriado do seu patrimônio e submetido a humilhações, à medida que a vila surgia. Ele destaca que, de 1821 a 1822, os indígenas, depois de muitas humilhações e explorações, conseguiram recuperar as terras invadidas pela horda de ‘carapálidas’, numa campanha chefiada por Diogo Pinto, que, desfrutando de um sólido prestígio junto do Presidente e da Assembleia Provincial, logrou êxito em seus objetivos.

Quando o Juiz das Sesmarias, sargento-mór José Gomes da Rocha, lavrou o termo demarcando o “Rio Pau da Negra a Panelas”, conforme reivindicação dos próprios indígenas”, reforçou. Segundo Adelson Lopes, vale destacar que a reivindicação dos indígenas só foi atendida graças à política clientelista existente e tão fecunda no Brasil, fazendo com que já naquela época se estabelecesse, entre os nativos e o colonizador, alguns laços de dependência, de contratualismo e de reciprocidade.

“Dessa forma, o direito que lhes era assegurado ecoava como uma troca de favores e necessidade de efetivação de laços de dependência com algum não índio poderoso na sesmaria. Nasceu, assim, o processo de exclusão do povo indígena, dentro do seu próprio território, de modo que os mesmos passam a ser pouco evidenciados na história da cidade, apesar da sua presença física nas matas que a circundam”, observou o historiador.

Conhecida como a Princesa do Sertão, por se localizar na faixa de transição entre o agreste e o sertão Palmeira dos Índios tem também sua origem explicada por uma lenda sobre o amor proibido entre um casal de índios Xucuru-Kariri, os primos Tilixi e Tixiliá. Esta lenda é amplamente divulgada na região e foi publicada em várias versões, desde a original pelo seu criador, Luiz Torres, até versões contemporâneas adaptadas para crianças e até mesmo como história em quadrinhos, o que fortalece a imagem dos nativos enquanto presença viva na história local.

Lenda de Palmeira dos Índios escrita por Luiz Torres é destacada por professor

Professor de história Welligton Lopes

Professor de história Welligton Lopes

Diz uma antiga lenda que em Palmeira dos Índios, conhecida como a “Princesa do Sertão”, vivia um índio chamado Tilixi.

Este índio era apaixonado pela índia Tixiliá. No entanto, esse amor era proibido, uma vez que a índia estava prometida ao cacique Etafé. Durante uma festa na tribo, Tilixi se aproximou de Tixiliá e lhe deu um beijo. Como castigo, Tilixi foi condenado à morte por inanição, ficando vários dias sem comer. Txiliá, que estava proibida de ver seu amor, foi ao seu encontro. Ao ser flagrada por Etafé, foi atingida por uma flecha, que a matou. Caindo ferida, ela morreu junto a Tilixi. A lenda diz, ainda, que no lugar onde os dois índios morreram, tempos depois, nasceu uma formosa palmeira, dando, assim, origem ao nome da cidade.

Para o professor de História, Wellington Lopes, os temas discutidos em livros, monografias de história, artigos acerca da história de Palmeira dos Índios, que em sua maioria, retratam uma Palmeira nostálgica e até mitológica (referência à lenda da criação da cidade), sempre o inquietou.

No banco de monografias e dissertações de História das universidades, daqui da região, abundam os títulos sobre: “O passado glorioso, que tem origem secular nos heroicos xucurus, de bravura e fé sem par, cujos feitos nós seguimoscomo luz a nos guiar”, como assevera a letra do hino, criado pelas saudosas figuras de nossas plagas Luiz B. Torres e José Rebelo.

“Grande parte da produção histórica do município fala dos “anos dourados”, dos tempos em Palmeira era a segunda mais importante cidade do estado, de notáveis políticos que eram referência para o país, de grande exportador de produtos agrícolas, como o algodão, de intelectuais que consagraram esta terra como o “berço da cultura alagoana”, do efervescente movimento do comércio e da zona boêmia, devido às viagens de trem da Great western.

Palmeira, na Revolução de 30

Palmeira, na Revolução de 30

Enfim, de uma Palmeira que não existe mais”, analisou o professor Wellington Lopes. E continuou: “Estamos completando 126 anos de emancipação e parece que ainda teimamos em querer enxergar na Palmeira de hoje aquela que brilhou na recente República brasileira, considerando que ambas possuem a mesma data de nascimento (1889). Hoje a realidade é bem diferente da romântica visão da Palmeira do passado, e cabe a Nós reescrevermos esta história sem romantismo. Que tal seguirmos os exemplos de alguns pensadores contemporâneos que felizmente estão abordando outros aspectos de nossa história local, que não apenas o triste saudosismo de “quem éramos nós”?
Interessa à nossa geração é “quem somos agora”. Não desprezando os valiosos estudos dos pioneiros da nossa historiografia Xucurús. Mas, chega de saudade”, enfatizou.

Para o professor, é mais interessante escrever sobre a cidade, hoje, do que viver preso a recordações que ficaram apenas na lembrança e nos livros escritos pelos autores alagoanos. “Quem é a Palmeira de hoje? O que um graduado de história pela UNEAL escreveu sobre o significado social dos nomes indígenas estampados em nosso comércio: Padaria Txiliá, Copiadora Cariri, Farmácia Xucurús, entre outros.

Que importância isto representa para os palmeirenses? Uma homenagem ou apenas um registro do que restou aos verdadeiros donos das terras palmeirenses?

Temas variados sobre a nossa rica história local deveríamos estar escrevendo para as gerações futuras”, salientou.

Segundo ele, o historiador Luiz Sávio de Almeida pesquisou sobre aspectos importantes a respeito de uma aldeia Xucurús, como demografia, educação e saúde.

“É baixo o nível de instrução formal, apesar da escola do aldeamento e apesar, também, da proximidade do núcleo urbano principal do Município de Palmeira dos Índios. Desta forma, 38% dos habitantes da fazenda canto consideram-se analfabetos e 43% tem o 1º grau incompleto. (ALMEIDA, 2005, pág. 19)”.

Valdemar de Souza Lima escreveu sobre a presença do cangaço em Palmeira dos Índios: “inusitada multidão se concentrou na praça da Independência, cercando a viatura que transportava (…) a cabeça de Lampião”. (LIMA, 1977, p. 122)

O escritor Ivan Barros, em recentes trabalhos, tem colaborado nessa seara de diversificar os temas relacionados à nossa história. “Cito como exemplos, apenas dois da sua vasta produção: “Violeiros, Repentistas e Poetas do Sertão” e “Graciliano Ramos: O Prefeito que virou Best Seller”.

Para Wellington Lopes, Palmeira dos Índios há muito tempo, não é mais a segunda cidade mais importante do estado. Segundo dados do IBGE, perdemos a terceira colocação em população para Rio Largo. Palmeira, hoje, é a quarta cidade mais populosa do estado. “No tocante à economia, perdemos disparado para vários municípios. Há estudos que nos apontam apenas como a sétima cidade de maior renda. Até mesmo em cultura, que sempre foi um dos nossos pontos fortes, atualmente verificamos a ausência de eventos culturais, numa cidade com rico acervo museológico e uma estudantada à vida por transpirar cultura”, lamentou.

E finalizou: “Creio que o “norte” de Palmeira dos Índios será mesmo a via universitária. A exemplo de outras cidades que se desenvolveram tornando-se pólo universitário, como Campina Grande na Paraíba, a “Princesa do Sertão” retornará ao seu merecido grau de importância, no âmbito estadual, através das divisas trazidas pelos inúmeros cursos de graduação oferecidos em nosso município. Que os nossos pesquisadores, escritores e historiadores possam escrever uma nova e bela história deste município através de outros olhares, mais politizados e menos romantizados”.