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Do Capão Redondo para o Pan: ex-guardador de carro busca pódio inédito na luta

16/07/2015
Do Capão Redondo para o Pan: ex-guardador de carro busca pódio inédito na luta

Divulgação Albino ocupa a 13ª posição no ranking mundial

Divulgação
Albino ocupa a 13ª posição no ranking mundial

“Eu, por vir de um lugar muito pobre, não tinha perspectiva de vida. O esporte mudou minha vida. Quando recebi minha primeira convocação, em 2005, não ligava muito para a luta, ia treinar no Centro Olímpico por treinar, porque lá dava lanche, dava passe (de ônibus). Depois que fui chamado para a seleção brasileira comecei a pegar mais amor. Eu evitava sair, ficar bebendo, queria estar na seleção. A luta me abriu o mundo. Abriu meus olhos. Quem conhece o Capão Redondo sabe que a vida é muito difícil, o tráfico de drogas domina o local. Vejo que muitas pessoas de lá estão me mandando força e querem me assistir lutando. Isso é muito bom, poder mostrar que consegui sair de lá e vencer.”
O relato acima é de Davi Albino, atleta brasileiro da luta greco-romana, mas poderia ser de milhares de jovens em busca de inspiração e oportunidades por um futuro mais promissor. O paulista de 29 anos, esperança de medalha do país nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, usou seu dom para o esporte para encontrar um rumo diferente do que parecia estar fadado no bairro onde foi criado: o Capão Redondo, na periferia da Zona Sul.
Ainda pequeno, Albino encarou a dura realidade de dormir na rua. Ligia Cristina, sua mãe, se envolveu com drogas e perdeu a casa onde morava por causa de dívidas com traficantes. Teve de largar o que tinha para não ser morta. Ela o deixava na casa da avó, mas ele fugia para ficar ao lado dela. O recomeço da família foi cuidando de carros em troca de dinheiro. Quando chegou aos 11 anos, já ganhavam dinheiro o suficiente para alugar um novo lar, e se mudaram para o Capão.
Albino era flanelinha na região do Ibirapuera, próximo ao Centro Olímpico, onde Joanílson Rodrigues era professor de judô. Ele deixava seu carro sob os cuidados do garoto e sempre o convidava para treinar. Um dia ele foi, atraído pelo lanche gratuito e pela ajuda de custo para pegar transporte público. Tentou também o boxe e o futebol, destacando-se como goleiro – Aranha, hoje jogador do Palmeiras, era seu reserva, segundo ele. Mas foi na luta olímpica que encontrou um lugar como atleta.
A avó Maria, já falecida, era sua maior incentivadora, mas Ligia Cristina, em princípio, não gostou da dedicação de Albino à luta. “Minha mãe me ajudou muito, mas minha avó foi a pessoa que mais me apoiou no esporte. Pedia para eu continuar, me dedicar mais, que eu era forte, Minha mãe precisava de ajuda e falava: pô, tem de trabalhar, você só quer treinar. Infelizmente para você chegar em alto rendimento tem de se dedicar o máximo de tempo possível, então eu não conseguia trabalhar, era difícil. Trabalhava tomando conta de carro na rua, ia viajar com o dinheiro que ganhava olhando carro. Antes eu não tinha patrocínio, não tinha dinheiro, não tinha nada”, conta.
Como precisava correr atrás de dinheiro para competir, ele arrumava bicos. “Fazia de tudo. Eu tinha uma moto e entregava pizza. Cuidava de carro de dia e entregava pizza à noite, e às vezes trabalhava com meu padastro de motoboy, quando faltava alguém. Fazia de tudo um pouco” , relembrou Albino, que também foi office boy e operador de copiadora, sempre ajudado por comerciantes da região onde era flanelinha.
Com 1,87m de altura e mais de 100 quilos, Davi Albino passou a ter ascensão rápida na luta, numa categoria em que o Brasil não tem tradição internacional: a greco-romana. Ele se tornou o primeiro do país a figurar no ranking mundial – atualmente é o 13º. Ele estreia no Pan de Toronto nesta quinta-feira, às 15h53 (de Brasília), contra o canadense Jeremy Latour, pela categoria até 98kg, e busca uma medalha inédita. Seu principal rival é o cubano Yasmani Lugo, com quem costuma treinar quando viaja à ilha da América Central, referência mundial na modalidade.
“Tecnicamente você não aprende tanto em Cuba, mas usa uma força muscular que no Brasil não consigo fazer com mais ninguém. Aqui não consigo usar minha força toda. Lá eu esgoto, uso o limite, força que nem imaginava ter”, diz Albino, que antes de viajar para Toronto passou 22 dias treinando com os cubanos.
O foco, claro, é evoluir para fazer um bom papel nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Mas o pódio no Pan já servirá como recompensa para um garoto que nasceu sem perspectiva de futuro. E também um belo motivo para fazer churrasco com os amigos de longa data do Capão Redondo, que ele vê pouco, já que está morando no Rio de Janeiro.
“Já recebi umas 300 mensagens dizendo que se eu não ganhar estou ferrado”, brinca Davi. Ele diz que, se puder, não sai mais do Rio de Janeiro. Acostumou-se com o estilo de vida à beira-mar, além de usar em sua preparação as instalações da Marinha – ele é sargento. No Capão, porém, terá sempre o recanto da mãe e o apoio dos mais próximos, que viram de perto sua história de superação.
“Meus amigos já estão ligados na televisão todos os dias, pessoal que nasceu e foi criado do meu lado, todos estão esperando. Já recebi umas 400 mensagens no Facebook perguntando o dia da minha luta. Já avisei o dia e os horários para que eles me vejam representando o meu bairro e meu país da melhor maneira possível.”