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Seu Pádua

26/04/2015
Seu Pádua

    Depois que o prefeito Amphilóphio Mello, conhecido como poeta por Jayme de Altavila, construiu o coreto na Avenida da Paz em 1926, a classe média alta de Maceió foi se mudando aos poucos para a praia da Avenida no embalo do modismo, banho salgado, como era chamado o banho de mar. Nos anos 40/50 a Avenida da Paz passou a ser a moradia chique da cidade.
Ronaldo Cardoso, ex-vizinho, deu-me um presente: relação dos moradores da praia da Avenida da Paz e adjacência nos anos 40/50/60. Examinando com carinho essa preciosidade lembrei-me daquelas famílias que povoaram minha juventude e povoam minhas lembranças.
A moçada depois da praia, do futebol, e do almoço, estirava o corpo à sombra na calçada da Travessa que liga a Avenida da Paz à Rua Silvério Jorge. Por volta das duas horas aparecia Seu Primitivo com o carrinho de sorvete, sempre duas qualidades: coco e goiaba, coco e mangaba, coco e abacaxi; a turma se deliciava enquanto comentava as brincadeiras, jogos, falando alto, de maneira anárquica, como são os jovens.
Na casa de esquina da Avenida, onde hoje funciona o restaurante Carne do Sol do Picuí, morava Seu Pádua, cabelos embranquecidos pelo tempo, rosto oval, vermelho, vestido em roupas rotas, camiseta branca, sempre de tamancos. Ele vivia de rendas, era usurário, agiota, grotesco e ingênuo, tinha apego satânico ao dinheiro. Emprestava a juros para os bacanas. Seu Pádua não gostava de nossas algazarras embaixo de suas janelas. Muitas vezes reclamou do barulho. Éramos dez ou doze adolescentes. Quando o velho reclamava, a moçada respondia com um sopro barulhento saído entre os lábios protegidos pela mão, o popular porrote. Ele xingava brabo do alto da janela.
Em certo entardecer apareceu um homem alto, louro, vestido num terno branco de linho irlandês, sotaque carioca, com um grande embrulho no braço. Bateu na casa de Seu Pádua pedindo uma conversa confidencial. Seu Pádua, curioso com a visita inusitada, trancou-se numa sala com o cidadão que não perdeu tempo em explicar: Vinha da capital do país, o Rio de Janeiro, com credencial do Ministério da Fazenda para mostrar a novidade a algumas pessoas escolhidas em Alagoas. Já estivera como o governador, e outras autoridades que indicaram o nome de Seu Pádua e foi desembrulhando o pacote, apareceu uma caixa de madeira com um furo horizontal na frente, outro atrás, ao lado uma manivela, em cima uma espécie de funil. Depois de alguma conversa o carioca mostrou para que servia aquela geringonça. Retirou da pasta um caderno “Avante”, rasgou uma página, introduziu-a na abertura horizontal por trás, rodou a manivela. A folha de papel foi desaparecendo dentro da caixa, de repente apareceu na abertura da frente um peque        no pedaço de papel com uma coloração forte em azul e verde, mais algumas maniveladas deu para distinguir uma nota novinha de CR$ 100,00 (cem cruzeiros). Ela caiu como uma folha seca na mesa. Seu Pádua ficou maravilhado olhando para Vargas, o vendedor, calado, alimentou novamente a fresta traseira com nova folha de papel de caderno, colocou azeite no funil, advertiu que a máquina tinha que estar sempre azeitada, rodou a manivela, caiu mais outra nota de Cr$ 100,00. Depois de repetir duas vezes a operação, com Cr$ 400,00 na mão, iniciou a venda altamente sigilosa com Seu Pádua. Ele pagaria pela máquina 8 contos (Cr$ 8.000,00) em 10 prestações de Cr$ 800,00, se ele realmente quisesse. Como garantia tinha apenas que assinar as promissórias e pagar as três últimas prestações no valor de 2,4 contos. Acertaram tudo. Vargas recebeu os Cr$ 2.400,00, rapou os R$ 400,00 saídos da caixa, apertou a mão do velho e escafedeu-se.
Seu Pádua voltou maravilhado, na maior expectativa. Colocou o papel em um lado, rodou a manivela, saiu Cr$ 100,00 do outro lado. Encantado, feliz, repetiu por três vezes a operação. Na quarta virada ouviu-se um ‘creque”, a maquina enganchou. Ele deu um grito para empregada, “Chiquinha traz o azeite!!!”. A empregada custou a aparecer. Seu Pádua, quase desesperado, gritava mais alto:  “Chiquinha traz o azeite!!!!” Tão alto que a meninada ouviu na esquina.
Dia seguinte, na  certeza de ter caído no conto do vigarista, foi conversar com meu pai, contou toda história. Eu ouvi quando papai o aconselhou, se ele fosse à delegacia dar queixa, seria preso.
À tarde toda molecada sabia da trapalhada, eu contei. Emílio Cardoso e Lelé, inimigos nº 1 do velho agiota, não perdoaram, passavam na esquina gritando, “Chiquinha traz o azeite, Chiquinha…”  Seu Pádua vermelho de raiva, aparecia na janela, xingava gritando seu palavrão predileto: “Vá se fu…, seus filhos de uma p…”