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Nossos filhos precisam de Vitamina S

10/02/2015
Nossos filhos precisam de Vitamina S
Será que não existe uma Vitamina S psicológica? Será que não precisamos de ameaças externas para nos organizar e não nos atacar?

Será que não existe uma Vitamina S psicológica? Será que não precisamos de ameaças externas para nos organizar e não nos atacar?

No aspecto emocional, a gente precisa aprender a se defender de ameaças externas para não atacar a si próprio.
É provável que você já tenha ouvido falar até demais da tal Vitamina S. O “S”, no caso, é de sujeira mesmo. Vem da ala da imunologia que defende a hipótese da higiene. Segundo essa hipótese, quanto mais contato temos com ameaças externas, menos chances temos de desenvolver doenças autoimunes, de reações alérgicas a diabetes. Por ter contato com animais desde cedo, as crianças teriam menos risco de desenvolver alergias. Por brincar na terra, ficariam menos doentes. A explicação é que o nosso sistema imunológico precisa de agentes externos para atacar. E, se não os encontra, volta-se contra si mesmo. Faz sentido.
Quero lançar uma nova hipótese, sem respaldo na ciência, mas com base na intuição. Será que não existe uma Vitamina S psicológica? Será que não precisamos de ameaças externas para nos organizar e não nos atacar?
Explico. Com toda a onda do politicamente correto, muitos pais e escolas eliminam das canções infantis, contos de fadas e outras histórias tradicionais tudo o que têm de assustador. Já vi gente que evita a música do Boi da Cara Preta (que pega essa criança que tem medo de careta), reinventa Chapeuzinho Vermelho para o lobo não morrer no final (lembrando que na versão original ele simplesmente devora avó e Chapeuzinho sem direito a caçador e a avó viva emergindo da barriga) e foge de contos como Barba-Azul como o diabo da cruz.
Outro dia uma conhecida começou a ler a referida história para os filhos. Ela não lembrava que o rico senhor de barba não convencional assassinava suas esposas e trancava os corpos num quartinho cuja chave entregava à cada nova mulher, proibindo-a de abrir a fechadura em sua ausência. Enquanto lia – e se lembrava do desfecho – ia reinventando o conto para que no final ninguém morresse.
Leio no jornal que a tradicional história da Velha da Gudeia, contada a gerações de paioleiros (como se denominam as crianças que frequentam o acampamento Paiol Grande, em São Bento do Sapucaí, no Estado de São Paulo), está sendo deixada apenas aos mais velhos. Tom & Jerry e Pica-Pau são considerados inapropriados para crianças devido às inúmeras cenas de “violência”. Durante um tempo, o maravilhoso livro “A Operação do Tio Onofre”, de Tatiana Belinky, andou escondido nas livrarias por trazer na capa um assaltante com uma arma (a história mostra como uma menina, de forma engenhosa consegue salvar a família dos malfeitores).
Ao mesmo tempo, crescem os problemas emocionais das crianças, as fobias e os transtornos de ansiedade de modo geral, como síndrome do pânico, com casos cada vez mais precoces. Não sou psicóloga nem psiquiatra e não pretendo explicar um fenômeno tão complexo. Mas tenho uma hipótese: será que, ao deixarmos de treinar a defesa a ameaças externas, que os contos de fada representam tão bem, não estamos nos voltando contra nós mesmos, como acontece no caso das doenças autoimunes?
Não defendo que as crianças enfrentem assaltantes reais, obviamente, mas será que elas não deveriam, como fazem há gerações, enfrentar o medo que dá a história do Barba-Azul, a de Chapeuzinho Vermelho ou da Veia da Gudeia?
Será que, por tentarmos cercar o mundo delas de todos os lados, assim que têm oportunidade, as crianças se apaixonam por violentos animes e mangás como Death Note, o caderno em que se escreve o nome dos que devem morrer?
Quando perdi um filho já com a gravidez avançada, minha filha mais velha, então com quatro anos, me pediu pra contar a história do gatinho que caía do telhado. Eu contei a história, e o gatinho, claro, se salvava no final. Ela não se conformou com minha solução apaziguadora. “Mamãe, o gatinho morreu”. Acredito que a história a ajudou a lidar com a perda do irmão tão esperado.
Vamos deixar que nossos filhos lidem com seus maiores medos só quando eles se concretizarem? Ou que vivam assombrados por receios com os quais não sabem lidar por nunca terem treinado para tanto? Tenho dúvidas se essa é a melhor opção. A Vitamina S dos sentimentos pode ser o que tanto nos aterroriza nas histórias que queremos reescrever.