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Literatura alagoana: roteiro sentimental pela terra de Graciliano Ramos

20/02/2015
Literatura alagoana: roteiro sentimental pela terra de Graciliano Ramos

Segunda reportagem da série da Agência Alagoas percorre lugares sagrados para Graciliano Ramos, o Mestre Graça (Fotos: Paulo Rios)

Segunda reportagem da série da Agência Alagoas percorre lugares sagrados para Graciliano Ramos, o Mestre Graça (Fotos: Paulo Rios)

  Apesar de não ter nascido em Palmeira dos Índios, foi nesta cidade que Graciliano Ramos, natural de Quebrangulo, viveu a maior parte do tempo em que esteve em Alagoas, entre 1910 e 1932. A paixão pela cidade é retratada em diversas obras do escritor, como Caetés (1933), São Bernardo (1934) e Vidas Secas (1938). Essa trajetória inspirou o livro Roteiro Sentimental de Ivan Barros, autor de três títulos sobre o Mestre Graça.
Na ausência de contemporâneos, Ivan é a única voz que pode falar com propriedade sobre o assunto, graças aos seus anos de investigação sobre a vida e a obra de Graciliano. De acordo com o autor de Roteiro Sentimental, após pouco mais de 60 anos da morte do célebre escritor alagoano, alguns raros locais românticos e encantadores resistem e retratam as trilhas da vida e obra de Mestre Graça pelo Agreste alagoano.I
“Infelizmente, a população local pouco sabe a respeito do seu conterrâneo mais ilustre. Nem mesmo as crianças da escola que carrega seu nome”, lamenta Ivan Barros.
Ao entrar na cidade, um busto com o rosto de Graciliano – já desbotado pelo tempo e pela falta de manutenção – dá as boas-vindas a quem passa pelo acesso. No Centro, a casa onde o escritor viveu está intacta. O prédio passou por restaurações e se tornou a Casa Museu Graciliano Ramos, em 1973. Graças a doações, feitas principalmente pela segunda esposa do escritor, Heloísa Ramos, o museu guarda quase 2 mil peças, entre objetos pessoais, fotografias, documentos e obras originais.
O visitante pode conferir, entre os itens mais especiais, a primeira edição do livro São Bernardo, dedicada ao padre José Leite, pároco que o abrigou na Igreja Nossa Senhora do Amparo para que ele escrevesse os primeiros capítulos do seu segundo livro.
Também fazem parte do acervo a máquina de datilografia que pouco tinha utilidade, já que o escritor preferia escrever de próprio punho; o tinteiro de prata usado para escrever o romance Caetés; utensílios para barbear banhados em bronze; e a capa de livro feita em couro de jacaré, presenteada pelo escritor e amigo Jorge Amado. Nos armários, as roupas pessoais como terno e roupão.
Nas paredes, não faltam fotografias originais de família. Há retratos com a primeira esposa, Maria Augusta, que morreu no parto do quarto filho do casal; com a segunda companheira, Maria Helena; com os filhos e netos; em viagens a Portugal, à extinta União Soviética e à Tchecoslováquia em 1952. Uma tela do pintor Portinari retrata o rosto de Graciliano. Outras fotografias mostram o autor ao lado de personalidades literárias como Gabriel García Márquez.
Na Casa Museu estão também os relatórios originais das prestações de contas na época em que foi prefeito de Palmeira dos Índios. Graciliano, que foi eleito pela primeira vez em 1927 e exerceu o cargo por dois mandatos, é lembrado até hoje por ter substituído a linguagem burocrática pela literária, detalhando os fatos com ironia e sarcasmo.
Ao lado da prefeitura funcionava a loja de tecidos Sincera onde Graciliano e seu pai, Sebastião Ramos de Oliveira, trabalharam juntos por anos. Atualmente a loja já não existe mais. O prédio foi demolido e no local funciona outro estabelecimento comercial. Perto dali, ao redor do Colégio Pio XII, a pitombeira onde Graciliano conheceu sua segunda esposa, Heloísa, está intacta e ainda hoje inspira casais apaixonados.
O Hotel São Bernardo, que carrega o nome do segundo livro do Mestre Graça, é uma boa opção de hospedagem pela localização privilegiada para percorrer a rota e por proporcionar uma vista panorâmica da cidade, de onde é possível enxergar de longe grande parte do Roteiro Sentimental de Graciliano. A hospedagem, entretanto, pouco tem a ver com o escritor. A indicação do nome visou apenas atrair turistas.
Em Viventes das Alagoas (1962), Graciliano fala da saudade dos lugares e das pessoas com quem conviveu em Palmeira dos Índios. Não só o Mestre Graça sentia falta desse universo, mas todos que entraram em contato com sua obra, que imortalizou essas lembranças.

Livros revivem a história e personalidade de Graciliano

O escritor Ivan Barros acaba de relançar três livros sobre Graciliano: Roteiro Sentimental, O prefeito que virou best seller e Graciliano era assim. “Eram muitos pedidos para o relançamento dos livros, pois são fontes abrangentes sobre o mundo ‘graciliânico’ em Alagoas. Ele viveu seus melhores anos aqui no estado. Durante muitos anos, pesquisei e recolhi informações com a família Ramos e o resultado está nas páginas dessas três obras”, afirma Ivan Barros.
O pesquisador possui um fascículo original de O Índio, jornal no qual Mestre Graça trabalhou como jornalista e onde assinava a coluna Garranchos, usando os pseudônimos J. Calisto, Anastácio Anacleto, Lambda e JC. Tido como bom modelo de texto jornalístico, que primava pelo estilo enxuto e sem adjetivos, seu maior foco era tratar sobre educação e políticas de igualdade.
“O Índio tem enorme valor histórico. Além da coluna Garranchos, quem observar bem ainda pode ver os anúncios da loja de tecidos Sincera, onde Graciliano trabalhou durante anos com o pai. Em breve, esse fascículo será doado à Universidade de São Paulo (USP), que tem os meios adequados para a preservação e perpetuação do documento”, disse Barros.
Atualmente, Barros está aguardando uma posição da Academia Brasileira de Letras (ABL) sobre o processo de solicitação da criação da 41ª cadeira, que teria Graciliano como patrono. “Graciliano Ramos, depois de Machado de Assis, é o escritor brasileiro mais lido no país, com recordes de vendagem e livros que foram parar nas telas do cinema. O escritor também é nome de rua, avenida, bairro, praças, museus. É hora de fazer justiça e ter uma cadeira na ABL em seu nome”.