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Em busca de alimento, araras frequentam sacadas de edifícios e conquistam moradores de Caracas

22/11/2014
Em busca de alimento, araras frequentam sacadas de edifícios e conquistam moradores de Caracas

Foto: Luciana Taddeo/Opera Mundi

Foto: Luciana Taddeo/Opera Mundi

Em Caracas, olhar para cima pode render uma experiência prazerosa. Sobre o caos urbano, composto do emaranhado de carros, motos, buzinas estridentes e pedestres na defensiva, é possível ver araras cruzando o céu ou paradas em galhos de árvores e antenas. Seus “gritos” e presença colorida não chamam atenção somente à distância: em busca de alimento, as araras se aproximam de sacadas e janelas dos apartamentos dos caraquenhos.
As primeiras que chegaram à sacada de María Valentina Cristovao eram um casal de plumagem azul e amarela. No começo, a convivência rendeu cortes nos dedos, pelo instinto de defesa das aves, que respondiam à aproximação com bicadas. Mas as visitas se tornaram frequentes e cada vez mais numerosas, a ponto de 20 araras se empoleirarem nas grades de sua varanda.
Para manter a tendência que torna suas jornadas de trabalho em casa mais felizes, Valentina sempre tem à mão banana, amendoim ou sementes de girassol para as “niñas”, como costuma chamá-las carinhosamente. “Converso muito com elas, para que se acostumem à minha voz”, contou a Opera Mundi em um parque no leste da cidade, onde é comum vê-las voando livres ou em galhos de árvores.
As araras chegam em diversos momentos do dia e, muitas vezes, deixam que a designer faça carinho sob seus bicos. Valentina diz reconhecer “pela atitude” quando alguma não pertence ao grupo que freqüenta sua sacada e, neste caso, não tenta alimentá-la diretamente no bico. Além disso, aprendeu algumas restrições, como não tentar fazer carinho na plumagem da cabeça, já que esta aproximação as assusta.
Para o guia venezuelano de observação de aves David Ascanio, cenas como esta são algo único de Caracas. “Não vi nenhuma outra cidade onde araras vão comer nos apartamentos, nas janelas”, diz a Opera Mundi. “É impressionante que em uma cidade com muita violência, trânsito e caos urbanístico ter essas espécies cheias de cores e de vida, voando livres. É até um ato de reflexão, de que se pode ser livre e feliz na cidade apesar das circunstâncias”.
Após consultas a ornitólogos, Ascanio, que apesar de não ser biólogo é pesquisador associado da Coleção Ornitológica Phelps e dirige o programa AvesVenezuela.net, defende que Caracas é a capital do continente com a maior quantidade de espécies de psitacídeos – família que também abarca espécies de papagaios e periquitos –, com 15 delas. Apesar de não contar com informação de países africanos, estima que também que possa ser a capital com mais espécies de psitacídeos do mundo.
Segundo ele, a maioria das araras não é nativa da capital, que nos anos 60, 70 e 80 começou a se povoar com espécies trazidas como mascotes de outras regiões do país. Pela disponibilidade de ninhos naturais e alimentos, permaneceram na cidade e se reproduziram. “Sobreviveram, se adaptaram e mudam um pouco nossa vida”, diz o especialista, salientando a satisfação de por vezes estar parado em um trânsito “infernal” e araras aparecerem gritando e voando sobre a autopista.
Coloridas e barulhentas, as araras da cidade motivaram a criação de um grupo de admiradores no Facebook, denominado “Guacamayas en Caracas” (Araras em Caracas), no qual moradores reúnem fotos e vídeos cheios de cores e poses de araras em suas varandas e antenas próximas, além de trocar informação sobre o que devem comer, onde conseguir os alimentos (há momentos em que conseguir as sementes vira missão coletiva), além de orientações para protegê-las.
“Não tinha dimensão da quantidade de araras na cidade, nem sequer imaginava que as pessoas as alimentavam. Abriu-se um mundo para mim, as pessoas não somente olham para cima, como as recebem em suas casas”, conta a ourives Alejandra Álvarez, que apesar de não receber as araras na região onde mora, decidiu criar há alguns anos o grupo – que conta hoje com mais de 2.000 membros.
Pelas postagens, é possível constatar que a Arara-canindé (Ara ararauna), de cores azul e amarela, é a mais vista pelos moradores. Alguns sortudos às vezes recebem a Arara-vermelha-grande (Ara chloroptera), de cores verde e vermelha, e a Arara-vermelha (Ara macao), que por terem as cores símbolo da Venezuela, vermelha, azul e amarela, é chamada localmente de “Bandeira”. Segundo Ascanio, em Caracas também pode-se ver a Maracanã-guaçu (Ara severa), somando quatro espécies de araras. A mais esperada nas varandas dos membros do grupo, no entanto, é um exemplar de coloração branca e azul chamada por admiradores de “blanquita”