Artigos

Depoimento na “Comissão da Verdade”

06/04/2014
Depoimento na “Comissão da Verdade”

Embora eu esteja mais preocupado com 2064, com o futuro, pois não vejo projeto de desenvolvimento para o Brasil para os próximos 20 ou 50 anos, existem apenas projetos eleitoreiros, projetos de tomar ou permanecer no poder. Durante os últimos 50 anos ( 21 de ditadura e 29 de democracia), pouca coisa mudou em minha Alagoas, continuam os mesmos índices, apenas 25% da população sabem interpretar um texto ou seja, 75% analfabetos, oito famílias detém 65% do PIB alagoano, cruel concentração de renda, a corrupção foi banalizada pela impunidade. Preocupa-me mais o futuro, contudo, convidado, aceitei esclarecer em depoimento minha participação nos acontecimentos passados do Golpe de 1964 na “Comissão da Verdade”.
Foram quase 3 horas de depoimento, fiz um relato histórico abordando as causas do Golpe Militar, resumo abaixo, dentro deste pequeno espaço. 1- Iniciei contando a participação de um obscuro advogado em 1961, Francisco Julião, criador e incentivador das Ligas Camponesas, associações de trabalhadores do campo, cujo objetivo maior era a reforma agrária. Por conta da pregação de Julião, um articulista americano, escreveu um artigo no Washington Post, “Estão cubanizando o Nordeste Brasileiro”, o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy apavorado com uma revolução no Nordeste, criou o programa Aliança para o Progresso em Pernambuco, distribuição de leite e outras pequenas carências à população. Vieram agentes da CIA infiltrados no programa, foram fundamentais no incentivo e financiamento na derrubada do Governo de João Goulart. No final de março de 1964 desceu ao Atlântico Sul uma esquadra americana com armamentos poderosos para intervenção armada, se preciso. Os navios eram vistos na cidade de Natal. A partir de 1964 os USA fomentaram as ditaduras na América do Sul.
2- Historicamente o Exército Brasileiro, depois da República, fez o papel do Poder Moderador, inerente ao Imperador, intervenções políticas (golpe) em 1922, 1924, 1930, 1945, 1955, logo após devolvia o poder à sociedade civil. Foi uma mesma geração de oficiais, os tenentes de 1922, 1924, eram capitães em 1930, majores em 1945, coronéis em 1955 e generais em 1964. Faziam parte dessa geração o General Góes Monteiro, Cordeiro de Farias, Juarez Távora, Castello Branco, entre outros, os líderes de 1964. Nós capitães e tenentes alijados na conspiração e de opinião, fomos apenas massa de manobra.
3 – A maioria dos jornais fazia campanha sistemática contra o governo, a inflação chegava a 80%, a Igreja, com o padre Peyton pregando a “Família que Reza Unida Permanece Unida”, liderou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Quase um milhão de pessoas contra o comunismo, pedindo a deposição de Jango. A classe média apoiou o golpe.
4- O presidente João Goulart acendia uma vela a Deus outra ao Diabo, como diria Julião, pregando reformas radicais, em março de 64 houve a rebelião de marinheiros e o comício pelas reformas em frente ao Ministério da Guerra.
5- No dia 31 de março o General Mourão Filho inicia um movimento de tropa saindo de Minas Gerais para depor o presidente. Nesse clima de tensão Jango sai de Brasília, viaja a Porto Alegre. O senador Auro Moura de Andrade no dia 2 de abril (dia verdadeiro do golpe) declara vago o cargo de Presidente da República, dá posse ao Presidente da Câmara Ranieri Mazzilli. Na semana seguinte, o Congresso Nacional elegeu presidente o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco com mandato até janeiro de 1966, quando tomaria posse o presidente escolhido pelas urnas, em eleições previstas para outubro de 1965. Não aconteceu. O mandato do presidente foi prorrogado, as eleições livres de 1965 canceladas, e os militares só deixaram o poder 21 anos depois.
6- Em 1964, eu era tenente, servia no Recife, 2ª Cia de Guardas, tropa de elite do IV Exército, onde ficaram destacados presos políticos, não vi algum tipo de tortura. Entretanto, foi constado, provado, durante os 21 anos de regime militar aconteceram mortes e torturas, em porões do DOI-CODI. Nos quartéis havia rotina militar normal. Apenas alguns oficias do Exército se envolveram com a tortura, não se pode generalizar. Abomino qualquer ditadura, tortura, atrocidades, terrorismo, assassinato ou roubo justificados por idealismo.