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Rubem Braga

05/02/2014
Rubem Braga

Ouço a notícia pelo rádio do apartamento do Hotel Califórnia. Era quarta-feira, 19 de dezembro de 1990. Acabara de tomar banho e preparava-me para enfrentar mais um dia de compromissos no Rio de Janeiro. A voz do locutor anuncia a morte do cronista Rubem Braga. Sentimento de perda me domina. Foi como saber que uma pessoa amiga havia falecido. O impacto foi maior porque, fiel ao hábito de começar e terminar os meus dias lendo um livro, lera, naquela manhã, uma crônica que ele escrevera quando correspondente de guerra, do Diário Carioca, na Itália. Era como se tivéssemos conversado há poucos minutos. Da janela do quarto, diviso a imensidão do mar que tanto cantara em seus escritos. As ondas sopradas pelos ventos entoam em seu louvor. Lembro-me das orações da minha infância e rezo por sua alma.
Ledor incansável de todos os seus livros, imagino conhecê-lo, pois o escritor sempre se revela naquilo que escreve. Não consegue se esconder. Certo quando afirma que a solidão do homem é cheia de detritos, lembranças, pequenos fantasmas que são como objetos inúteis, quebrados, em um porão, nomes riscados em cadernos de telefones, teias de aranha.
Conheci, pessoalmente, Rubem Braga quando ingênuo e leviano procurei, em 1968, a Editora Sabiá levando, debaixo do braço, uma cópia encadernada do meu primeiro romance – Sua Excelência, o Governador. Ainda, hoje, o endereço permanece em minha memória. Edifício Ike. Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 860. O objetivo da visita era tentar a publicação do livro. Sou recebido por Fernando Sabino. Escuta a pretensão. Gentilmente me leva à sala do seu sócio Rubem Braga. Explicam que haviam fundado a editora sem razões comerciais, apenas para publicar os trabalhos deles e de alguns amigos como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Murilo Mendes, Otto Lara Resende, Pablo Neruda, Gabriel García Marques. Concebam a ousadia! Vejam em que time queria entrar. Anos depois, Governador de Alagoas, recebo com admiração Rubem Braga e Millôr Fernandes, em Maceió.
Príncipe dos cronistas brasileiros, na opinião de Manuel Bandeira, consegue ser triste e otimista num só pensamento: No dia em que uma mulher descobre que o homem, pelo simples fato de ser seu marido, é seu cônjuge, coitado dele. Mas no meio de tudo isso, fora disso, através disso, apesar disso tudo – há o amor. Ele é como a lua, resiste a todos os sonetos e abençoa todos os pântanos.
Escritor maior, embelezava o cotidiano, com seu talento. Observando, a distância, uma jovem viúva que brinca com o filho na praia, descreve a cena: O menino ri, jogando água no corpo da mãe que vai buscá-lo. Traz ao colo o garoto já bem crescido. O esforço faz-lhe tensos os músculos dos braços e das coxas; é bela assim, marchando com a sua carga querida. Não, a viúva não está de luto, a viúva está brilhando de sol, está vestida de água e de luz.
Desejoso de homenageá-lo, faço alguém feliz em sua memória. Ao primeiro pedinte que encontro, ao sair do hotel, entrego, em nome de Rubem Braga, uma razoável ajuda em dinheiro e, à noite, jantando no Le Bistrô, ofereço ao amante de lindas mulheres, um grande momento.