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Sorrindo e querendo chorar

12/01/2014
Sorrindo e querendo chorar

Dia 8 de janeiro de 1970, sete da noite os amigos foram se achegando sentando à mesa no Bar do Miltinho, o melhor tira-gosto da cidade, cerveja gelada, uísque, cachaça da boa, celebração de meu último dia de homem livre, minha despedida de solteiro. O Bar do Miltinho ficava na Praça Treze de Maio, um recanto bucólico, arborizado, a melhor área verde do bairro do Poço. Certo dia o Prefeito de Maceió com anuência da Câmara de Vereadores doou a Praça do Povo ao SESC, onde essa entidade tão rica, ( poderia ter comprado um terreno), construiu um enorme prédio, a sede alagoana do SESC. Um crime ambiental, urbano, um crime contra o povo de uma cidade bela, carente de áreas verdes. Hoje não mais existe a praça, nem as árvores, em seu lugar está encravado um prédio de gosto duvidoso.
Voltando ao glorioso dia 8 de janeiro, eu esperava cerca de 100 amigos, mas às 8 da noite o bar estava lotado, de repente aparece o Téo Vilela com uma Banda de Pífano, animou a festa mais ainda. Houve discursos, cantoria, contação de casos, estavam meus amigos militares junto aos amigos comunistas no auge da ditadura, três raparigas, uma cafetina sentadas junto a um padre, foi a mais alegre despedida de um boêmio daquela época. Terminamos com o dia amanhecendo cantando em ritmo de guerreiro: “A minha turma que bebe um pouquinho no Bar do Miltinho até o sol raiar…”
Acordei-me às 11 da manhã, vesti um velho calção de banho, merecia um mergulho no mar escandalosamente azul esverdeado de verão na praia da Avenida. Ao atravessar a rua leio uma faixa atravessando a Avenida da Paz do coreto a um poste: “As meninas do Mossoró choram a perda do líder, Carlito Lima casa hoje”. Mossoró era o dono da noite naquela época, tinha a casa de mulheres mais famosa de Maceió, a Boate Areia Branca. Ao retornar soube por meu irmão que na cidade havia várias faixas com dizeres parecidos. Na Gazeta de Alagoas estava meu nome como se fora uma nota fúnebre convidando o povo para o casamento às 20 horas na Catedral onde haveria farta distribuição de bolinhos e salgadinhos.
Descansei toda tarde, recolhido em meu quarto, pensando na vida, achava que estava na hora de casar, 30 anos naquela época era solteirão, perguntava a mim mesmo o que será? Meu espírito de boêmio se acostumará a vida de casado? Eram seis e meia da noite quando Dona Zeca me acordou. Fiz a barba, um banho demorado, o último como solteiro, vesti minha farda de gala de capitão, estava pronto para o casório. Embarquei no carro com meu pai, amigo e conselheiro. Ao chegar na Catedral me espantei em ver uma quantidade enorme de pessoas do lado de fora, no “sereno” para assistir a entrada do casamento.
A Catedral lotada de convidados, eu no altar esperando, a noiva atrasou quase uma hora, os amigo brincavam, a noiva fugiu. De repente Vânia entrou com seu pai, linda com seus 21 aninhos, vestida de noiva, sorrindo e querendo chorar….
A cerimônia do casamento foi belíssima. A Banda de Música do 20º Batalhão de Caçadores tocou a marcha nupcial e belas músicas no auge da MPB, da Bossa Nova. Após a cerimônia saímos de braços dados, do lado de fora da igreja estavam meus colegas oficiais do Exército com suas espadas levantadas fazendo um túnel, a abóboda de aço, por onde juntinhos abaixados atravessamos. Durante a recepção a alegria reinou com uma banda de Pífano, muito uísque, muitos amigos, está gravada na memória aquela noite, das mais importante e mais feliz de minha vida.
44 anos se passaram, o céu nem sempre de Brigadeiro, algumas rotas de colisão, alguns percalços, soubemos enfrentar, nenhuma tempestade poderá mais fazer nosso barco afundar, além de tudo, agora já avistamos a praia, como diz Vânia. E retenho em minha mente, em minhas lembranças nítidas, como de fosse hoje, a imagem da noiva entrando na Igreja, sorrindo e querendo chorar.