Geral

Jornalista revela fatos inéditos sobre a morte de Juscelino Kubistchek

26/12/2013
Jornalista revela fatos inéditos sobre a morte de Juscelino Kubistchek
Ivan Barros relembra tragédia que matou JK

Ivan Barros relembra tragédia que matou JK: “Fiquei impressionado, por que tiveram pressa em alterar a cena da tragédia”

A Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, da cidade de São Paulo, divulgou um documento com evidências de que o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi assassinado durante viagem de carro na rodovia Presidente Dutra, e não morto em um acidente, como registra a história oficial.
O relatório reúne 90 indícios, “evidências, provas, testemunhos, circunstâncias, contradições, controvérsias e questionamentos” que concluem que o ex-presidente foi alvo de um complô em 22 de agosto de 1976. Segundo a versão oficial, JK, que tentava articular a volta da democracia ao País, morreu em um acidente com um Opala na estrada.
“Não temos dúvida de que Juscelino Kubitschek foi vítima de conspiração, complô e atentado político”, afirmou o vereador Gilberto Natalini, presidente da Comissão Municipal da Verdade.
As circunstâncias da morte do presidente são investigadas pelo órgão municipal, que busca ajudar a Comissão Nacional da Verdade para esclarecer o caso. Em agosto, Serafim Melo Jardim, secretário particular do ex-presidente nos seus últimos nove anos de vida, afirmou à comissão ter certeza de que JK vinha sendo vigiado. “Eu acompanhei o presidente desde que voltou do exílio. Sempre que viajávamos ele dizia: ‘Estão querendo me matar’.”
Outro ponto levantado pela comissão na época foi a falta de radiografia no corpo do motorista Geraldo Ribeiro, apesar do fragmento metálico de sete milímetros em seu crânio, que seria um grave indício de arma de fogo. As fotos dos corpos teriam sido retiradas do processo a mando de Francisco Gil Castello Branco, ex-diretor do Departamento Técnico-Científico da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro à época.
O esforço de JK para o retorno democrático no Brasil nos anos 1970 era motivo de preocupação para os agentes da Operação Condor, aliança político-militar entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai.
Em uma carta enviada no dia 28 de agosto de 1975 para João Baptista Figueiredo, o chefe do serviço de inteligência de Augusto Pinochet, coronel Manuel Contreras Sepulveda, se diz preocupado com a possível vitória de Jimmy Carter nos EUA e o apoio a políticos de oposição à ditadura na região, como o chileno Orlando Letelier e o próprio JK.
Segundo ele, os líderes “poderiam influenciar seriamente a estabilidade do Cone Sul”. No ano seguinte ao envio da correspondência, JK morria em agosto, e Letelier, em setembro.
Na entrevista abaixo o jornalista alagoano Ivan Barros (que trabalhava na Revista Manchete na época em que JK morreu) revela fatos inéditos que viu quando da cobertura jornalística do “acidente” que vitimou o ex-presidente brasileiro.
A revelação do vereador de São Paulo Gilberto Natalin, perante a Comissão da Verdade, não me causou surpresa e veio fortalecer a minha convicção de que realmente Juscelino Kubistchek morreu assassinado.

JK foi vítima da Operação Condor

JK foi vítima da Operação Condor

Conheci JK na Revista Manchete (Bloch Editores), no Rio de Janeiro e diariamente eu entregava em suas mãos um Boletim Informativo das notícias nacionais e internacionais, que serviam como editoria de pauta.
Um homem simples, sorriso largo, uma figura exponencial. Eu estava de plantão na Revista Manchete, naquele fatídico dia. Foi o pior plantão de mina vida, no dia em que JK morreu. Ao ouvir o noticiário da Rede Globo, de imediato segui para o local da tragédia, acompanhado dos fotógrafos Gervásio Batista e João Silva, numa camionete rural Willis, da Manchete.
O local, na Avenida Presidente Dutra, perto da cidade de Resende, passava a pista larga para dois veículos. Fui o primeiro repórter a chegar ao local sinistrado. Chovia e caía uma neblina muito forte, prejudicando o trabalho dos fotógrafos. Fazia muito frio. Vivíamos uma época de distensão política e aliados da Ditadura Militar não queriam mais a presença Jango, Lacerda e JK.
E mortes estranhas ocorreram como a de Zuzu Angel e dos líderes da Frente Ampla. Em lá chegando, observei que guardas da Polícia Federal, apressados, estavam mudando a posição dos carros, envolvidos no acidente, e que provocaram a tragédia. Era estudante de Direito, e curioso perguntei a um policial: “Por que estão mudando a posição dos veículos? Não pode. Estão alterando o cenário do crime e isto vai prejudicar a pericia.” O guarda, de início, não quis responder. Identifiquei-me como repórter da Revista Manchete e ele sabia que JK frequentava a revista e era amigo de Adolfo Bloch, e disse-me: “Não informe a fonte, mas recebemos ordens superiores”.

Opala de JK destruído

Opala de JK destruído

Eu fui um dos poucos que vi o cadáver de JK mutilado. Seu rosto parecia uma massa mórbida, fraturas nos braços e nas pernas. E fiquei impressionado, por que tiveram pressa em alterar a cena da tragédia? Por que não tiveram cuidados na perícia? Sem dúvidas, para mim, estaria concretizado um crime doloso e não culposo. E que coincidência. Em menos de dez meses, tinham morrido Lacerda, Zuzu Ângel, Jango e agora JK. Continuava em mim a indagação: o acidente de JK foi forjado? Teria sido JK vítima de uma cilada quando deixou a sucursal da Manchete em São Paulo?
Por que uma semana antes eu havia recebido à noite, na redação da Manchete, a notícia de que ele tinha sido vítima de um acidente em Luisiana? E não passou de boato? Quanto a Jango, a versão inicial era de que tinha sido vitimado por ataque cardíaco. E o telefonema que JK recebeu de um militar que se dizia chamar Rosalvo, avisando-o que corria perigo de vida? E no caso de Lacerda. Eu estava lá no hospital quando ouvi de uma enfermeira: “Deram uma injeção errada. Mataram Dr. Lacerda”. E por que setores da ala radical marcaram encontros com JK, Jango e Lacerda, os líderes da frente Ampla, e sempre foram adiados?
Quis publicar o caso Lacerda na Manchete, mas Raimundo Magalhães Jr. aconselhou-me a não dizer nada, porque também poderia morrer. No caso de Lacerda, tentei falar com o médico Rebelo Filho, tido como médico de alto conceito, exemplar correção profissional e alto conceito e ele recusou-se a fazer declaração, dizendo que sentia-se muito abatido e era amigo de Lacerda.
Contei o caso a Heitor Cony Filho. A verdade é que, caídos em desgraça, eles tentavam recuperar os direitos políticos, mas havia um confronto entre Geisel e o general Silvio Frota.
E agora com as declarações do vereador paulista sobre o assassinato de JK, de repente, lembrei-me, como se fosse hoje, a cena que presenciei. Acompanhei o caixão de JK até o IML do Rio de Janeiro. A família não quis que abrissem o caixão. Do acidente, consegui trazer um sapato de veludo de JK e entreguei-o a Adolfo Bloch, na redação da Manchete. Foi um dia de comoção, à tarde, antes de sair o féretro para Brasília, levei meu filho Vladimir, que depositou em seu ataúde umas rosas vermelhas, sob as vistas de Jaquito que estava no mezanino da sede, no hall principal.
Outro fato que me deixou intrigado: na saída do caixão do prédio da Rua do Russel, pilotos da esquadrilha da fumaça prestaram homenagens a JK, riscando no céu “Adeus JK”. Ao pousarem no Santos Dumont, foram presos e ficaram incomunicáveis durante sete dias.
Ao levarmos o ataúde JK para o aeroporto Santos Dummont, emocionado, começamos a cantar e a multidão acompanhou: “Como pode um peixe vivo, viver fora de água fria, como poderemos viver, sem a sua, sem a sua, sem a sua companhia”.
O povo chorava e cantava, nas ruas, nas calçadas, dando adeus ao maior líder político do Brasil e da América Latina.
A comissão da Verdade deve continuar investigando, para que a verdade, mesmo depois de tantos anos, descubra a realidade que o Brasil e as novas gerações precisam saber.